Tinham uma música horrível, mas não aceitaram os CDs de fados, Vitorino, Zecas Afonso, Carlos Paredes e música do Portugal quinhentista que eu tinha levado. A única de jeito foi o Grândola.
E queriam saber mais da minha vida que da de Portugal.
Contei-lhes quase tudo, desde que nasci até hoje...
Sobre Portugal, perguntaram o que é que o país tem de especial, além do sol, do vinho e do futebol.
Ora, assim especial especial, o que se chama especial, só me lembrei do Alberto João.
E fiquei a pensar nessa pergunta: o que é que Portugal tem que o faça diferente dos outros países? Não me digam que somos tão europeus que já quase nada nos distingue dos outros?
Da revolução pediram que falasse sobre o papel do Grândola e dos cravos vermelhos. Tudo questões muito profundas, tive imensa dificuldade em explicar-lhes a fenomenologia "que permite compreender as matrizes como produtor e produto das práticas sociais e a génese cultural que sustenta o enraizamento na estética auditiva e estética da população de uma forma tão transversal."
Mas nem tudo se perdeu: contei como foi belo o primeiro primeiro de Maio.
Depois veio a parte da curiosidade mórbida, "A polícia política, a tortura... Tortura na Europa dos anos 70? Até custa a acreditar! Você tem alguma história vivida por si ou por conhecidos seus?"
Respondi que não, não conheço ninguém que tenha sido torturado, e como ele estava a fazer cara de "até custa a acreditar, era um país com tanta tortura..." lá tirei da manga a história da minha amiga que aos 15 anos foi apanhada numa manifestação e levada para Caxias. Ficou muito satisfeito. O que uma pessoa não faz para ver os jornalistas felizes.
Depois fui para o trabalho, e perguntei aos colegas se nos anos 70 só a Pide é que torturava na Europa, e se a Stasi tratava os prisioneiros políticos com todo o respeitinho.
Disseram-me que, no máximo, punham os prisioneiros na câmara escura, ou batiam com brutalidade no pessoal das manifestações. Lá se me foi mais um preconceito: quem diria que os polícias da Stasi eram mais soft que os da Pide?!
Soft não é a palavra certa. Eram menos broncos, é tudo. Especialistas em tortura psicológica - além dos trabalhos forçados em condições terríveis.
Moral do episódio: mais uma achega para uma teoria da dor e do recalcamento. Os nossos e os alheios.
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