11 outubro 2006

a raposa a guardar o galinheiro

Lemos o texto de Anna Politkovskaia escrito há ano e meio, e parece-nos a crónica de uma morte anunciada.
Ou pior: a crónica de uma investigação-que-vai-dar-em-nada anunciada.

E aqui vai mais uma tradução (rápida, rápida): parte da entrevista do Putin, de momento em visita à Alemanha, na Süddeutsche de hoje.
O link (original em alemão) só está disponível hoje.

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SZ: Antes de começarmos a falar sobre as questões ligadas à Energia, temos de referir um acontecimento que provocou consternação em todo o mundo. Não muito longe deste local, a jornalista moscovita Anna Politkovskaia foi morta a tiro. A morte de uma das suas mais acérrimas críticas comoveu-o?

Putin: O assassínio de uma pessoa é um crime muito grave - tanto perante a sociedade como perante Deus. Os criminosos têm de ser encontrados e julgados. Infelizmente, este não é o único crime do género na Rússia. Nós faremos tudo para encontrar os criminosos.
De facto, a jornalista Anna Politkvskaia era uma crítica das actuais relações de força. Em geral, este é um traço típico dos representantes da imprensa, mas ela tinha posições radicais. Nos tempos mais recentes, a sua crítica dirigia-se em especial ao poder oficial na Chechénia. Contudo, a sua influência política no país não era muito grande. Ela era mais conhecida nos mass media ocidentais.

SZ: A quem interessa a sua morte?

Putin: O assassínio de Anna Politkovskaia traz muitos mais danos aos dirigentes russos e sobretudo chechenos que qualquer peça jornalística poderia alguma vez provocar. Este crime horrível causa à Rússia grandes danos políticos e morais. Atinge o sistema político que tentamos neste momento construir - um sistema que garante a liberdade de expressão para todos, e também para os mass media.

SZ: Membros da oposição russa acreditam que o primeiro ministro Ramsan Kadyrow, o seu mais importante aliado em Grosny, está por trás deste assassínio. Pensa que isto é possível?

Putin: Não. Também lhe posso explicar porquê: os artigos dela nem atingiram a sua política nem prejudicaram a sua carreira política. Ramsan Kadyrow foi um dos que inicialmente lutou contra a presença das tropas federais na Chechénia. No orgãos de segurança e nas instituições chechenas podem trabalhar hoje pessoas de todos os quadrantes - independentemente da sua opinião ou do seu passado. As actuais relações de forças políticas na Chechénia são complicadas, mas isso não é motivo para um assassínio. Um certo azedume contra a acção da jornalista seria possível, mas não consigo imaginar que uma pessoa com cargos oficiais fosse capaz de planear um crime tão terrível.

SZ: Há dúvidas sobre a liberdade de imprensa na Rússia, que não são suscitadas apenas por este assassínio recente. Na televisão russa quase não se encontram críticas ao Presidente. Na classificação mundial da liberdade de imprensa publicada pela organização Repórteres sem Fronteiras, a Rússia aparece quase no fim, no 140º lugar. Pensa que os media russos são livres?

Putin: A Rússia está numa fase de transição. Os mass media estão a desenvolver-se. No país trabalham vários milhares de canais televisivos. Por muito que os detentores do Poder, a todos os níveis, o desejassem - é impossível controlar um sistema tão gigantesco. O número de média escritos é ainda maior. São mais de 35.000, e mais de metade deles tem participação estrangeira. No entanto, se nós pretendermos entrar nos mercados dos média ocidentais, isso é quase impossível. Devido a pretextos de ordem burocrática, o processo arrastar-se-á por vários anos.

SZ: Durante a sua visita à Alemanha, será confrontado com questões sobre direitos humanos, liberdade de imprensa e democracia. Incomoda-o receber lições de fora?

Putin: Não, já me habituei a isso. Parece-me sobretudo que não temos tido o devido cuidado de informar sobre a situação real na Rússia. Um exemplo: acusam-nos de concentrar o poder em Moscovo. Na Alemanha, em contrapartida, foi feita uma reforma do federalismo que reduz substancialmente os plenos poderes do Conselho Federal. Foram retirados muitos direitos às Laender - e em troca, o que lhes deram? Têm o direito de decidir sobre os horários comerciais. Na Rússia, isso é feito a nível municipal. Mas nem por isso nós dizemos que a Alemanha se está a afastar da Democracia e que há uma concentração excessiva do poder em Berlim. De fora, é muito difícil perceber o que é bom e o que é mau para um país.
Mas posso-lhe dizer uma coisa: não temos o menor desejo de regressar ao sistema soviético de centralismo e totalitarismo. Veja-se um mapa da Rússia: é um imenso território, o maior país da terra. Há centenas de grupos étnicos diferentes. Não é possível aplicar um carimbo à Rússia, por muito bonito que ele fosse. Nós vamos fazer todos os possíveis para respeitar os princípios do mundo civilizado - da Democracia - e os direitos e liberdades dos nossos cidadãos.

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