18 setembro 2006

desentendimentos

Confesso que não li o discurso completo do Papa na universidade de Regensburg.
Li uma parte dos extractos feitos pela Spiegel, em alemão aqui.
Logo no princípio, quando ele cita um colega, dizendo que "na nossa universidade há algo estranho: duas faculdades que estudam o que não existe: Deus", fica evidente que aquela é uma conversa entre universitários, na melhor acepção da palavra: gente curiosa, estudiosa, e suficientemente segura da seriedade do que faz para se permitir algum sentido de humor.

Não tenho vontade de estudar o discurso para averiguar se o Papa poderia ter evitado a passagem que chocou alguns muçulmanos. Nem é bem uma questão de vontade, é mais uma questão de preguiça e de perceber à partida que é areia demais para a minha camioneta: em termos de discussão teológica, eu ando de carrinho de mão, e o Papa anda com a sua frota de camiões TIR. Pronto. Cada um é pró que nasce.

Por isso mesmo mais irritada fico com a reacção da rua. O pessoal que anda a deitar fogo a igrejas no Médio Oriente acha que pode decidir sobre o que se diz ou não numa faculdade de teologia alemã?!
Oh, amigos muçulmanos, pick your fights, que eu também picko os meus.

Parece-me bastante claro que:

- Em vez de reagirmos à turba, há que ir ver quem provocou esta crise e com que interesses:
Se é verdade que a al-Jazeera tirou a frase do contexto e a usou para, deliberadamente, tornar as coisas muito piores e muito diferentes do que eram originalmente, então merece uma grave censura. É inadmissível.
Quanto a alguns líderes religiosos: porque preferiram acirrar o pessoal para o espectáculo de rua, em vez de expressar o seu desacordo por vias civilizadas?

- Não é o mob que decide o que pode e não pode ser dito na Universidade. Aqui, temos de ser inflexíveis.

- (Este ponto é uma resposta à Abrunho:) Há uma diferença profunda entre um encontro de universitários, onde se fala sobre Deus e razão, e um jornal que resolve provocar uma minoria muçulmana, encomendando cartoons sobre Maomé. Seria capaz de me deixar matar (bem, estou a exagerar, e muito, mas é por um bom motivo: retórico) para que os teólogos de Regensburg digam o que entenderem que é profícuo à discussão, mesmo que não concorde com eles. Enquanto que não me dá vontade nenhuma de me bater pelo direito de um jornal achincalhar minorias.

Por outro lado, estou em dúvida sobre o papel de um Papa: pode dar-se ao luxo de ser por alguns momentos um teólogo em conversa com os colegas, ou tem de ser sempre o político e o diplomata?
Gostei da versão inglesa do seu pedido de desculpas: "(...)I am deeply sorry for the reactions in some countries to a few passages of my address at the University of Regensburg". "Lamento as reacções às minhas palavras", hehehe, raposa velha.
Li aqui, e vale a pena ler o post todo.


Nota mental: escrever cinquenta vezes "alguns muçulmanos". Alguns.
Isto não é o princípio da guerra entre o Oriente e o Ocidente. São algumas pessoas que manipularam outras, e outras - algumas - que se deixaram manipular.
Há até quem diga que este pessoal que queima igrejas não é muçulmano. Ao optar pela violência afasta-se da verdadeira doutrina do Islão.

E oxalá a al-Jazeera concorde com o que aqui se disse, e não faça corte e costura com este post e era uma vez uma blogueira em Weimar.

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