Leio na blogosfera que a nova lei da segurança social castiga quem tem menos de dois filhos. Leio críticas: é uma afronta e uma injustiça, uma intromissão intolerável nas decisões dos indivíduos.
Por um lado têm razão: que história é esta de o Governo decidir quantos filhos é que uma família deve ter? Ainda não chegámos à China!
Por outro lado, penso nisto: Em Portugal não há um contrato entre gerações?
As despesas dos reformados não são pagas pelas contribuições dos que estão actualmente activos?
E se a pirâmide etária afunilar na base, como é que vai ser?
Quem vai pagar as nossas reformas e as contas da geriatria? Tanto mais que teremos, quase de certeza, a mania de querer continuar vivos, em vez de nos despacharmos desta para melhor quando começarmos a ficar insuportavelmente caros.
E se daqui a 20 anos os fundos disponíveis para assegurar o pagamento das reformas e das despesas de saúde dos reformados forem tão baixos, que seja necessário baixar as reformas e a assistência para um nível incipiente?
Ser-me-á permitido olhar com inveja e zanga para os outros velhos que não tiveram filhos, e a quem sobrou ordenado para um bom plano de poupança reforma, recebendo contudo da segurança social o mesmo que eu? Bem sei que o dinheiro não é tudo na vida e os filhos são uma grande fonte de alegria, e quase me conformo: serei uma velhota pobrezinha mas feliz. É o que me vale.
Não sei com que intenção é que o governo aumenta as contribuições de quem tem menos de dois filhos.
Mas se é a pensar na minha cara de invejosa daqui a 20 anos, acho muito bem. Porque a inveja é um sentimento terrível que torna as pessoas azedas e maldosas, e é sabido que os maus vivem mais anos. Ora, pensando nas contas da geriatria...
Por outras palavras: se o sistema actual de reformas exige uma pirâmide etária com a base mais alargada, é justo que haja um tratamento igual para os que têm e os que não têm filhos?
Só vejo duas soluções: ou a sociedade paga as despesas das crianças (distribuindo pelo contribuintes de hoje os custos de criar os contribuintes de amanhã) ou os contribuintes sem filhos pagam mais, por uma questão de solidariedade e justiça.
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Por estar na dúvida se em Portugal existe contrato de gerações, fui googlear um bocadinho. Em menos de um ápice cheguei à intervenção do Primeiro-Ministro no debate mensal na Assembleia da República, sobre «A política de Segurança Social».
Aqui. Explica a situação catastrófica, e as medidas mais importantes.
Agora fico na dúvida: o pessoal que criticou a medida, e lhe chama castigo e intromissão, é movido por ignorância ou por má-fé?
O "castigo" é justificado de forma muito clara:
4 - Em quarto lugar, as políticas públicas não podem continuar alheias aos problemas da evolução dramática da natalidade. Precisamos de mais incentivos à recuperação da natalidade. E a Segurança Social deverá aqui desempenhar um papel, no contexto de uma política mais alargada para a família. É por essa razão que proporemos que a taxa contributiva dos trabalhadores varie, ainda que moderadamente, em função do número de filhos. Afinal, é da riqueza criada pelas futuras gerações de trabalhadores que resultará a garantia dos rendimentos na velhice dos futuros pensionistas. Não há, evidentemente, soluções mágicas para este problema. Mas esta é, sem dúvida, uma mudança justa e que aponta no bom sentido.
Agora que li, deixem-me criticar (eu nem queria, mas temo que, se ficar calada, me tirem o passaporte português...):
Se é para actuar sobre a taxa de natalidade, desculpem que os desiluda, não compensa: um filho sai muito mais caro do que o que quer que se possa poupar em contribuições. Não é com multas ou incentivos fiscais que a pirâmide etária se equilibra.
Vão ter de inventar uma solução mais complexa, começando por ir à raíz do problema: porque é que a taxa de natalidade diminuiu?
Na Alemanha andaram a falar em aumentar o abono de família, e perceberam que isso não resolve a questão. O que aqui falta são creches e infantários abertos o dia inteiro, para que a mãe possa trabalhar. E em Portugal, qual é o problema?
Uma outra questão que se discute na Alemanha é a do tratamento igualitário. Porque é que todas as famílias recebem o mesmo (abono de família, livros escolares gratuitos, etc.), quando algumas famílias precisam de muito mais que outras? Seria mais lógico que o Estado tivesse uma função supletiva, actuando nos casos em que há o risco da exclusão por pobreza.
Ora aí está uma discussão muito mais interessante para os blogues. Em vez de mandarem bocas rasca sobre a política do governo, experimentem debater o papel do Estado Social neste momento de vacas magras, e já agora propor soluções para a bancarrota do sistema de segurança social.
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