20 julho 2020

Locronan (4), ou: regresso ao futuro



Regressei a Locronan no segundo domingo de Julho, na estouvada esperança de que a Petite Troménie se realizasse como habitualmente. Ao pagar o lugar de estacionamento, as minhas ilusões caíram por terra: "este ano foi cancelado devido à covid". Espertos: não havia qualquer aviso online. O parque de estacionamento estava cheio, os restaurantes estavam cheios, as praças estavam cheias. Centenas de pessoas a comer gelados e crepes: a consumir.

Entrei num restaurante para tomar um café (e, confesso, ir à casa de banho). Junto à caixa, alguns homens conversavam alegremente com o dono do restaurante. Olharam para mim com ar de donos da casa, muito bem-dispostos. "Que bem lhe fica essa máscara!", disse um deles. Os outros concordaram e riram - o piropo em tempos de covid.

Na igreja principal dei com famílias que a passavam sem ver, numa pressa de ter estado ali. Uma miúda de sete anos aborrecia-se na espera, encostada às escadas do púlpito. Olhei para a sua cara, a meio metro do primeiro medalhão que conta a história do cristão Saint Ronan e da druida Kebenn. Que espantosa história para contar às crianças que entram naquela igreja, e ninguém a conta!

Pensei na minha máscara, que torna o meu triste francês ainda mais incompreensível, e assim consegui resistir à vontade de abrir àquela miúda a porta para o fascínio do lugar: olha, aqui, o lobo e a ovelha, olha o ar zangado da Kebenn, olha o rei Gradlon, olha a menina morta a ressuscitar da arca onde foi metida.

É bem verdade: quem não sabe é como quem não vê. Também eu, da primeira vez que fui àquela igreja, passei pelo púlpito sem ver.




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