10 março 2020

afinal parece que somos capazes de entrar em pânico...


February satellite readings in the troposphere (the lower atmosphere) of nitrogen dioxide (NO2), a pollutant primarily from burning fossil fuels, show a dramatic decline compared to early January when power plants were operating at normal levels.
NASA Earth Observatory


Por estes dias tenho pensado muito numa das frases que Greta Thunberg mais repete: "a nossa casa está a arder - é preciso que vocês entrem em pânico". De facto, há mais de quarenta anos que estamos a receber informações da ciência sobre o processo de destruição do planeta até um ponto que põe a nossa própria sobrevivência em risco, mas temos conseguido ignorar, e esperar que outros resolvam o problema. Porque - alegadamente - nada deve pôr em causa o sacrossanto direito à prosperidade e à melhoria do nível de vida de cada um.

O pânico é uma cena que não nos assiste. Mesmo sabendo que, a continuar assim, em meia dúzia de anos chegaremos a um efeito acumulado de poluição atmosférica que provocará um desgoverno sem retorno no equilíbrio da natureza como o conhecemos até agora, e que em breve começaremos a assistir a movimentos migratórios de uma dimensão que fará a actual crise do Mediterrâneo parecer uma brincadeira de crianças.

Sinceramente, não entendo. Sabemos que o nosso estilo de vida nos está a conduzir a passos largos para a catástrofe, sabemos que os nossos filhos vão sofrer horrores por causa das escolhas de consumo, profissionais e de lazer que fazemos todos os dias. Mas nem isso nos impele a rever as nossas escolhas e - mais importante ainda - a dar aos nossos políticos sinais fortes de que terão o nosso apoio quando impuserem medidas fundamentais e urgentes para o planeta, mesmo que tenham grande impacto no nosso nível de vida.

E depois aparece uma gripezinha (que é extremamente contagiosa, é certo, mas está longe de ter um efeito comparável à subida do nível do mar e à desertificação de grandes áreas do planeta) e vemos que afinal sabemos entrar em pânico: as companhias de aviação cancelam milhares de voos de passageiros e de mercadorias, os hotéis ficam às moscas, as fábricas interrompem o funcionamento, os jogos de futebol decorrem em estádios vazios, as pessoas fecham-se em casa debaixo de um monte de rolos de latas de conserva e embalagens de massa a tentar escapar ao fim do mundo.

Bem sei que vamos pagar este pânico bem caro. Mas esta conclusão já ninguém ma tira: afinal somos capazes de meter os travões a fundo.
Quando queremos, somos capazes de meter os travões a fundo. Basta que se altere a nossa percepção do risco.

(Olho para a figura lá em cima e imagino que, em termos de luta contra o aquecimento climático, o coronavirus deve ter sido a melhor notícia que aconteceu ao planeta nos últimos duzentos anos.)

5 comentários:

Jaime Santos disse...

James Lovelock colocou a hipótese de que a biosfera actua como um organismo vivo. Eu era capaz de dizer que perante a sandice humana, ela nos está a mandar um aviso. Uma espécie de cartão amarelo...

Helena Araújo disse...

Não vejo como aviso, mas como as consequências óbvias do nosso agir.
O que mais me choca é que sabemos isto há décadas, e não fizemos nada.

Jaime Santos disse...

Claro, não me parece que Gaia tenha qualquer espécie de intencionalidade, mas se tivesse suponho que era isso que faria. 'Meninos, portem-se bem que para a próxima a taxa de mortalidade é de 40% e a taxa de infecção é de pelo menos 2 pessoas por cada infectado' (isso deveria chegar para liquidar a civilização)...

Mais a sério, tivemos no passado epidemias muito piores do que esta (peste negra, sífilis, gripe espanhola de 1918) que se propagaram muito mais devagar, a cavalo e à vela, e nem por isso deixaram de ter consequências profundamente sérias, como eu já aqui disse...

O que esta tem de diferente é o ter sido transportada por viajantes aéreos, mas teria cá chegado mais tarde ou mais cedo, num quadro de abertura da China ao mundo (e eu acho que isso é uma coisa boa, sobretudo para eles).

Por isso, de facto não concordo consigo, esta epidemia não é uma consequência das nossas acções, é fruto de uma pura contingência. Se se tratasse de um micro-organismo proveniente do degelo do permafrost siberiano, aí o caso mudaria de figura.

Quanto à sua interrogação no seu post original, acho que a historieta (falsa) do sapo que colocado em água a ferver salta imediatamente, mas que se deixa cozer em lume brando é útil para perceber o que se passa. Reagimos, como bons primatas, a perigos imediatos, mas não conseguimos reagir a algo que nem sequer imaginámos...

Porque é que as pessoas reagem instintivamente a um ataque terrorista que dificilmente as atingirá (a probabilidade é muito baixa) mas continuam a fumar?

Parece-me primeiro porque uma morte violenta as aterroriza muito mais (mesmo se uma morte lenta e agonizante pode ser muito pior) e depois porque um terrorista (ou um vírus) pode bem arcar com todas as culpas. Já o aquecimento global obriga-nos a abdicar das nossas comodidades... Como abdicar do vício de tabaco...

Mas poderá ainda perguntar porque não nos preocupamos com os acidentes na estrada e conduzimos como loucos (sobretudo os homens)? A morte num acidente de estrada é igualmente violenta. Aí creio por um lado que as pessoas não medem as probabilidades correctamente e depois trata-se ainda desse velho egoísmo de que falo acima.

Precisamos de uma cultura de segurança (na nossa relação com os outros e com o meio ambiente) mas o maldito machismo egoísta impede-nos de escolher o que seria melhor para nós e para o próximo (que pode bem ser um filho nosso)...

Helena Araújo disse...

Entendi mal. Não me apercebi que com "aviso" se referia ao coronavirus.
Interpretei "cartão amarelo" como uma referência aos incêndios na Austrália e na Califórnia, por exemplo.

Jaime Santos disse...

Sim, esses são da nossa inteira responsabilidade...