02 fevereiro 2020

três histórias de rabinos

À procura de um post antiquíssimo, descobri nos confins deste blogue histórias de sabedoria hebraica, que partilho de novo só porque gosto muito delas:

I.
Do livro de Michel Friedmann, "Kaddisch vor dem Morgengrau":

Numa pequena aldeia da Polónia, no tempo dos pogroms e dos schtetl, dirigiu-se um alfaiate ao rabino.
A sua mulher estava a morrer. Tinha-lhe dado sete filhos, tinha sido uma companheira maravilhosa, tratara sempre bem da casa e criara as crianças com muito amor. Estes, já adultos e eles próprios pais, encontravam-se junto à cama da moribunda e imploravam-lhe que não morresse. Diziam-lhe que ainda precisavam dela e que sem ela não conseguiam viver, pediam-lhe que lhes oferecesse ainda algum tempo de vida antes de morrer e subir aos céus. Perante estes lamentos e pedidos, a mãe chorava amargamente e martirizava-se para permanecer viva e não os abandonar ainda. O alfaiate estava desesperado, porque amava a sua mulher, e não suportava assistir ao seu sofrimento. Sabia que a sua mulher iria morrer, e nem o pranto nem as orações o poderiam evitar. Contudo, sabia que ela não podia morrer em paz enquanto não tivesse dado uma resposta às queixas dos filhos. Por isso viera falar com o rabino e lhe pedira um conselho: que devia a mãe dizer aos filhos, como os poderia convencer?
O rabino não precisou de reflectir longamente. Conhecia a dor dos filhos, que também por ele passara. Por outro lado, sabia como é difícil para os pais deixarem os filhos sozinhos neste mundo. E assim aconselhou o alfaiate:
- Diz à tua mulher que lhes deve explicar o seguinte:
Queridos filhos, até na véspera da vossa própria morte me direis que precisais de mim, que sem mim não quereis viver, não conseguireis viver. Mas vocês têm a vossa própria vida. Cuidai de ser pessoas completas, que fazem o seu próprio percurso. Tudo o que eu vos podia ensinar, todo o amor que eu vos podia dar, está em vós. Eu cumpri a minha vida, vi-vos crescer para se tornarem pessoas autónomas. Agora é a vossa vez de voar. Eu não passo de uma pedra que vos impediria de o fazer. Voai, filhos, voai para a vida, e deixai-me voar para a eternidade.


II.
Um casal, a quem nascera um filho, desentendeu-se quanto ao nome a dar à criança, e foi falar com o rabino.
- Qual é o vosso problema?, perguntou o rabino.
- A minha mulher quer dar ao nosso filho o nome do pai dela, e eu quero que ele receba o nome do meu pai, respondeu o marido.
- Qual é o nome do seu pai?
- Abia.
- E o nome do seu sogro?
- Abia.
- Então qual é o vosso problema?, perguntou o rabino, surpreendido.
- Sabe, disse a mulher, o meu pai era um doutor, enquanto que o pai do meu marido era um ladrão de cavalos. E eu não quero que o meu filho tenha o nome de um ladrão de cavalos!
Desesperado, mas incapaz de os deixar sem uma resposta, o rabino disse-lhes:
- Dêem ao vosso filho o nome Abia. Depois deixem-no crescer, começar a andar e a falar. Ouçam os seus sonhos, vejam como luta pelo seu futuro, observem como se realiza. E só depois saberão se ele recebeu o nome do doutor ou o do ladrão de cavalos.

III.
Numa pequena Shtetl da Roménia havia um rabino muito crédulo, a quem contaram que um mercador da cidade vizinha estava a vender Justiça.
"Justiça", pensou o rabino, "que bom seria termos Justiça na nossa Shtetl!"
Juntou todas as suas poupanças, pediu aos amigos que lhe emprestassem mais algum dinheiro, e pôs-se a caminho da cidade.
O mercador não tinha nada de parvo, e ainda menos de escrupuloso. Quando o rabino lhe disse que queria comprar alguma Justiça, respondeu "muito bem, muito bem, espere um momento". Desceu à cave, arranjou um odre, encheu-o com líquido da fossa e fechou-o bem. Depois, embrulhou o odre num pano ricamente ornamentado, e vendeu-o ao rabino a preço de ouro, recomendando-lhe que o guardasse com cuidado e que não o abrisse.
O rabino voltou todo contente para casa, e escondeu o odre debaixo da cama.
Durante a noite, a satisfação não o deixava adormecer. A satisfação, e a curiosidade.
"Como será a Justiça?", interrogava-se, e dava mais uma volta na cama.
"Quem me dera saber!", acrescentava, e virava-se de novo.
De madrugada, não conseguiu resistir mais à tentação. Levantou-se, pegou no odre, abriu-o e espreitou para dentro.
No dia seguinte, reuniu as pessoas mais importantes da comunidade, e anunciou-lhes alegremente:
"Tenho uma grande novidade para a nossa Shtetl: já temos Justiça!"
Um enorme "aaaaahhhh" ecoou pela sala. Alguém perguntou: "E como é ela?"
O rabino respirou fundo, e revelou em voz baixa:
"A Justiça fede."


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