09 janeiro 2020

Charlie Hebdo, cinco anos depois


No dia 7 de Janeiro de 2015, dois cobardes mascarados entraram no escritório do Charlie Hebdo e abriram fogo com armas automáticas, dispostos a matar pessoas armadas apenas com lápis. Eram muçulmanos fanáticos que queriam vingar aquilo que entendiam serem ofensas imperdoáveis à sua religião.

Cinco anos depois, por causa de um filme do Porta dos Fundos, no qual se faz uma paródia com a figura de Jesus Cristo, duas bombas são atiradas contra a sua sede. O ataque aconteceu na véspera de Natal, o que nos obriga a concluir que há por aí cristãos fundamentalistas que entendem que um par de bombas é a melhor maneira de defender o espírito de paz e amor próprio da época. Por sorte (ou por azar, na perspectiva dos fanáticos que se dizem cristãos, mas que de Cristo nem sequer o maior mandamento perceberam...) não houve vítimas.

Pergunta-se: além de não ter havido vítimas mortais no Porta dos Fundos, qual é, exactamente, a diferença entre os fanáticos muçulmanos franceses que atacaram o Charlie Hebdo e os fanáticos cristãos brasileiros que atacaram o Porta dos Fundos?

Entretanto, um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou a Netflix retirar o filme do ar. A decisão é justificada por ser "mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, maioritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo".

Se me é permitida fazer ironia com algo tão trágico: o azar daqueles dois muçulmanos fanáticos franceses foi não terem o sistema de Justiça a defender tão bem os seus interesses de fanáticos, de forma que - coitados... - tiveram de recorrer à justiça pelas próprias mãos. Tivessem eles tribunais como deve ser e ainda agora andavam de forma pacata e civilizada a impor mordaças religiosas à sociedade francesa. Mas não: por causa dos tribunais que não lhes deram o apoio devido, tiveram de cometer aquele massacre e deram cabo da sua vidinha...

Do pouco que vi do programa, achei-o muito pateta. Mas talvez seja necessário responder com patetices destas às patetices de sinal contrário que se vão multiplicando naquela sociedade - na qual qualquer um pode criar uma Igreja e torná-la numa máquina de extorquir dinheiro aos crentes e à sociedade em geral, e a política se alia de forma grotesca e calculista às Igrejas para conquistar vantagens, numa aliança infernal de troca de favores e influências, cujas primeiras vítimas são a laicidade do Estado e a liberdade dos cidadãos.


1 comentário:

Jaime Santos disse...

O deus desta gente é tão pequeno que se ofende com paródias destas. Aparentemente, ordena-lhes que cometam ofensas corporais graves que podem ir até ao assassinato de outros seres humanos, uma violação de um dos Mandamentos do Deus de Israel. Claramente, falámos de deuses distintos...