19 dezembro 2018

"Xerxes"

Dia de "Xerxes" na Enciclopédia Ilustrada. Começo pelo meu habitual "dar água sem caneco", e nos posts seguintes partilho também algumas publicações dos colegas enciclopedistas.

1.
Se ainda ninguém falou da famosíssima ária "Ombra mai fù", da ópera Xerxes de Händel, aqui está ela, pela voz de Philippe Jaroussky.



A ópera começa com esta ária. No seu jardim, Xerxes contempla embevecido a sombra de um plátano. Deve ser um platano de mau olhado, porque dali para a frente só faz asneiras: decide casar com Romilda, que tem um caso de amor correspondido com o irmão de Xerxes; esta distracção sentimental provoca a tristeza e a fúria de Amastre, prometida do rei. Depois de muitas confusões, Romilda acaba a casar quase por engano com o homem que ama, e então a Xerxes dá-lhe um amok e vai conquistar a Grécia (mas esta parte já não vem no libretto da ópera).
Pensava eu que este "Ombra mai fù" tinha o início mais sublime de todas as árias, mas isso foi até ouvir o início de "Alto Giove" da ópera "Polifemo" de Nicola Porpora, cujo início dá 10 a 1 ao da ária de Händel.



Voltando à ópera: vi-a numa encenação da Komische Oper que recuperava o imaginário barroco com muita graça. O problema é que a Komische Oper volta e meia vende os fatos e adereços das óperas, de modo que passei o tempo todo dividida entre a música e a passerelle...




2.
Xerxes há muitos, para além do de Händel. Os arménios, por exemplo, tiveram um rei Xerxes (228-212 a.C.) cuja vida daria bem uma ópera barroca.
Este Xerxes dos arménios seria provavelmente filho do rei Abdissar, da dinastia dos Orôntidas, que - espertinho! - se teria tentado esquivar ao poder dos Selêucidas e deixar de lhes pagar tributo. Ora, Antíoco III não gostou, e foi cercar a cidade de Arsamosata, onde estava Xerxes. Este, ao ver aqueles soldados todos a aproximar-se, pôs-se ao fresco. Mas depois caiu em si: "oh caraças! se deixo estes okupas entrar na minha casa fico sem ela!" - elementar, diria o Sherlock Holmes. De modo que mandou emissários a Antíoco III, oferecendo a possibilidade de estabelecerem conversações. Os conselheiros de Antíoco III sugeriram-lhe que afastasse Xerxes, e desse o lugar deste ao seu próprio sobrinho. Mas Antíoco preferiu um acordo com Xerxes: este manteria o trono se se subjugasse de novo ao selêucida, sublinhando essa intenção com a disponibilização de 1000 cavalos e 1000 mulas, enquanto Antíoco III, por sua vez, lhe perdoava a dívida do pai. Simultaneamente, Xerxes casava-se com Antióquide, a irmã do rei selêucida.
Esta Antióquide devia ter um feitio como o nome dela, porque arranjou de lhe matarem o marido antes de festejarem o primeiro aniversário do casamento, para entregar o seu trono ao irmão. Só que este andava muito ocupado em campanhas militares, e passou o trono a Abdissares, filho (ou talvez irmão) de Xerxes.
As minhas fontes são omissas no que diz respeito às relações entre madrasta (ou cunhada) e enteado (ou cunhado).
Agora, digam lá se Händel não tinha aqui matéria para uma bela ópera?

PS. Deste Abdissares pouco se sabe. Excepto que o seu perfil cunhado numa moeda é tal e qual o do nosso colega enciclopedista Joaquim C.
Agora, digam lá se o Woody Allen não podia fazer um belo filme com este rapaz que chega ao trono quase por acaso numa das regiões politicamente mais instáveis do mundo, e 2.200 anos depois leva uma pacata existência em Lisboa?


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