27 setembro 2013

maldito estrangeiro!



A Christina um ano na Bolívia, o nosso apartamento de repente tornado enorme. O Matthias hoje a sair para dez dias em Roma, o meu coração pequenino já cheio de saudades do nosso "Jeune Romain".
E por estes dias um amigo que vem para Berlim em busca de trabalho, e deixa um vazio grande na casa da família, em Lisboa.
Quem inventou o estrangeiro devia ser um cínico sádico.

26 setembro 2013

não é um cão, é um gato


Outono...

polca do metro de Tóquio

Os 128 músicos da Filarmónica de Berlim estão combinados em mais de 30 grupos de música de câmara - quartetos, sextetos, octetos de cordas, os 12 violoncelistas, os trompistas da Filarmonia, o grupo de música barroca, o de percussão, combinações quase aleatórias de instrumentos - um sem-fim de possibilidades, todos de excepcional qualidade. A orquestra "Philharmonische Stradivari-Solisten Berlin" faz-me sonhar: música com os instrumentos feitos pelo Stradivarius. E o grupo Lachmusik faz-me rir:





Outra versão para esta "polca do metro de Tóquio", desta vez com os trompistas da Filarmonia:



(Como não adorar esta cidade?)




25 setembro 2013

bonjour tristesse / bitte leben



O prédio do Siza Vieira em Kreuzberg, com novo visual. 

24 setembro 2013

coligações




A propósito deste post do Tomás Vasques, sobre a Merkel andar à procura de noivo, convém esclarecer o seguinte:

- Ninguém quer ser parceiro do CDU/CSU no próximo governo. A experiência tem mostrado que a Merkel mais parece uma viúva-negra - a aranha que devora o parceiro depois da cópula. Eles já sabem ao que vão, e por isso não querem ir.

- O governo tem de ser maioritário. Se a Merkel não conseguir parceiro de coligação, vai ser necessário fazer novas eleições, e nessas os socialistas e os verdes seriam provavelmente muito castigados.

- Os Verdes e o SPD estão a fazer-se de caros, o que é bastante difícil, porque esta é mais uma daquelas situações em que não têm alternativa. Tentam ganhar margem de manobra para impor partes do seu próprio programa eleitoral. Do que tenho ouvido sobre as discussões, lamento informar mas a gestão da crise europeia não parece estar no centro das preocupações desses partidos. Os temas em que há desacordo são outros: impostos, meio-ambiente, "salário" para as mães que ficam em casa em vez de pôr os filhos na creche, e outros assuntos de política interna.

- Para quem pensa que na Alemanha podia haver uma grande coligação de esquerda: parece-me que neste período legislativo isso não é possível, porque o SPD negou liminarmente essa possibilidade, durante a campanha eleitoral. Fazê-lo agora seria burlar os eleitores. Mas já começaram a falar nessa hipótese para as próximas eleições. Estou muito curiosa para ver a resposta que as urnas darão (gostava mesmo que o tempo andasse para a frente quatro anos, para ver o que acontece).

Um apontamento final: no rescaldo das eleições alemãs, o João Rodrigues e o Daniel Oliveira defendem que não adianta esperar pela Alemanha, e que os países periféricos vão ter de tomar a iniciativa para conseguir uma saída da crise. Concordo inteiramente com esta conclusão - e já vem com um inexplicável atraso de 12 anos. É muito boa ideia deixar de esperar pela Alemanha. Os nossos governantes que acordem para as suas responsabilidades e façam o seu trabalho, que é o de cuidar dos interesses dos portugueses (se não souberem o que é isso, sugiro que vão lendo o blogue A Areia dos Dias - encontram lá os valores essenciais). Exigir dos governantes, e também de todos os partidos (e de nós próprios) actos responsáveis, em vez de joguinhos de poder e piadolas que só servem para contaminar ainda mais o ambiente.

la fille aux cheveux de lin

Ia falar só do concerto a que assisti hoje, mas não sei que me parece ter um blogue se não for para contar a minha vidinha toda. Por isso, aqui vai:
(quem tiver pressa, pode saltar este parágrafo)

Hoje, a meio da manhã, dei-me conta de que já vamos em terça-feira. Na segunda-feira (ontem!) uma amiga minha tinha a sua defesa da tese, e eu queria muito ir, porque ela andou meses a estudar as caveiras no teatro anatómico do Charité, e desde então estou para saber se conseguiu encontrar a cabeça da Rosa Luxemburgo e a do Schiller (bem me podiam convidar para assegurar a secção Caras das revistas científicas). Mas ontem trabalhei com muito afinco e deixei passar o momento, e hoje continuei a trabalhar concentrada e muito chateadamente (sim, o trabalho anda outra vez a atrasar-me a vida real), até que de repente me ocorreu que se hoje era terça-feira então tinha almoço marcado na Filarmonia. Ufff, este foi por pouco. Prevejo uma semana muito cheia de agitações súbitas.

O Lunchkonzert na Filarmonia era com Andreas Ottensamer (clarinete) e José Gallardo (piano). Um concerto todo ele muito bom, mas o que deu cabo de mim foi La Fille Aux Cheveux de Lin tocado no clarinete. Tão bem, que me deixou intrigada: porque é que o Debussy se foi lembrar de compor aquilo para piano, quando no clarinete fica tão melhor?

O Andreas Ottensamer dançou muito melhor que neste vídeo - e interpretou a peça de outra forma, com uma leveza mágica. Além disso, a camisa branca metida dentro das calças pretas fica-lhe muito bem. Estive encantada durante todo o concerto, mas depois, quando me pôs um autógrafo no meu CD, vi que tinha idade para ser meu filho. Gulp.
Que coisa, tão nova e já a fazer figura de velha babosa.



fox news temporariamente fora do ar

Criei o tema "Fox News" para ir contando à Christina, durante a sua estadia na Bolívia, como é que o nosso Fox estava a crescer.
Agora que a Christina voltou, se quer saber do cão chama-o

      - óFox!

e lá vai ele, abanando alegremente o rabo.

Os amigos habituaram-se às Fox News, e perguntam pelo óFox!, mas com a Christina por perto nunca mais me lembrei da máquina fotográfica quando levo o cão à rua.
Devia era levar uma máquina de filmar, para apanhar agora o focinhito dele espetado a farejar o ar: parece que o Outono tem cheiro, e ele o reconhece.
Lembra-me um amigo que também sabe farejar a neve: levanta o nariz para o ar gelado, aspira, diz "a neve já vem a caminho".
Eu, o mais que sou capaz de detectar, é o bolo no forno, ou o esturro na sopa.

***

E para quem gosta de posts com bonecos, aqui vai uma foto do nosso óFox! a guardar a porta da Biblioteca Joanina em Coimbra:




 

23 setembro 2013

musica callada, Federico Mompou




Excerto de uma entrevista com o pianista Arcadi Volodos, na revista Concerti, Maio 2013:


C: Os trabalhos de Mompou são tudo menos uma cedência ao público. Escreveu esta música apenas para si, não queria ser ouvido. Como é isso possível?

AV: Ao chegar ao fim da vida, os grandes compositores procuram o som da eternidade - veja o exemplo de Bach e a Arte da Fuga. No caso de Mompou, juntou-se ainda a mística de São João da Cruz (1542-1591), que o fascinava.

C: Federico Mompou também dizia: "eu não sou compositor... mas música."

AV: Sim. E completava: "Não componho, decomponho."

C: Como pode descrever a Musica Callada, que interpreta neste CD?

AV: Tem um espírito oriental. Não no que diz respeito à harmonia, mas sim à estrutura. Tem analogias com Ravel, Debussy, Skrjabin, com o impressionismo francês. Mas o espírito é oriental. É uma música que não tem dualidade entre som e silêncio, não tem contrastes. É pouco acessível. Não se sabe onde começa o silêncio e acaba o som, é uma música muito minimalista, que se limita ao essencial. Na medida em que põe de lado tudo o que é acessório.

C: A definição de verdadeira arte.

AV: Sim, é assim que a vejo. Musica Callada é a música que exigiu toda uma vida a Mompou, quatro cadernos com vinte e oito peças. A perfeição da sua arte. A propósito, já que falávamos há pouco de júris - Mompou foi membro do júri de um concurso de compositores. Dava a todos os compositores a mesma nota. Perguntaram-lhe porque o fazia, e a sua resposta foi "Porque havia eu de excluir alguns candidatos? A vida já o fará." Era essa a sua filosofia.

Merkel : 1 / Outros : (ãh? quais outros?)


Para análises de fundo, podem ler a Teresa de Sousa aqui. Parece-me informada e equilibrada.

Para conversas de café, acrescento uns tópicos:

- Estas eleições são, antes de mais, uma vitória da Merkel. Se concorresse sozinha, teria tido uma larga maioria absoluta.

- A saída da FDP do Parlamento foi, para mim, a grande vitória da noite. Houve demasiados indícios de que o partido estava a fazer política não para a Alemanha, mas para a sua clientela, e o povo alemão não perdoou. Lá se vai o apoio financeiro estatal, lá se vão os empregos. Este castigo radical dá-me uma grande satisfação, porque mostra que a Democracia se sabe defender de quem abusa dela.

- Outra vitória foi a descida do partido de extrema-direita, o NPD, e a resposta dada ao partido anti-euro: apesar das dificuldades anunciadas e das dúvidas em relação ao processo em curso, os alemães querem manter o euro e continuam a acreditar na Europa possível.  

- Ontem, em conversa com alguns amigos portugueses, interrogávamo-nos sobre o poder que a Angela Merkel tem para queimar os homens do seu próprio partido. Nunca nenhum chega suficientemente perto para lhe poder fazer sombra. Recordo isso agora a propósito da queda do FDP - muitas vezes apareceram como o parceiro da coligação que estava a torpedear os esforços da Merkel. Talvez este péssimo resultado eleitoral seja em parte um castigo por "terem sido maus para a mamã".

- Agora, por favor, não me venham com a conversa do "Merkel über alles", a ditadora, sei lá que mais. Ela não é a ditadora, é a que "conduz pela retaguarda", como troçava um adversário político.

- Participação eleitoral de 72% (!), e nem assim os alemães estão contentes. É bom, mas aqueles 28% que faltam são motivo para preocupação.  

- Acredito que, no que diz respeito a Portugal, as coisas podem melhorar um pouco. O simples facto de os mercados não terem o menor motivo para ficarem todos excitadinhos, já é positivo (estou a pensar nos juros da dívida). Portugal pode agora aproveitar a boa fama que tem - como menino bem-comportado a quem a vida está a correr muito mal, justamente por estar a fazer tudo o que lhe mandam -, e propor uma renegociação das condições de pagamento, a par de um plano de crescimento económico. Mas um plano de crescimento económico a sério - porque esquemas para as empresas ligadas aos políticos, rotundas nos municípios, mercedes para os empresários e cursos de formação profissional para mascarar o desemprego, tudo isso já temos em quantidade suficiente, e não me parece que os parceiros europeus estejam dispostos a dar apoios para mais do mesmo.

22 setembro 2013

google.de 22.09.2013






wahl-o-mat



Há semanas o Matthias chegou da escola a anunciar, todo contente, que o Wahl-O-Mat já estava disponível. Trata-se de uma ferramenta online destinada sobretudo a um público jovem, que ajuda a perceber as diferenças entre os programas dos partidos que concorrem às eleições (nacionais, regionais e europeias), e já existe desde 2002.

Respondi às 38 perguntas discutindo com ele os prós e os contras das minhas escolhas. Por exemplo:
- Limite de velocidade 120 kmh? Não!, disse eu.
- Pensa na poluição, mãe, disse ele.
- OK, respondi vencida - e votei "sim".
No fim, comparámos as minhas respostas com as dos partidos. Fartámo-nos de rir com as respostas do "Die Partei", os irreverentes que fazem de bobo da corte. Sobre o limite de velocidade, a escolha deles era "não", porque "o Führer ia dar voltas no túmulo".

Em suma: passámos uma boa hora a conversar com seriedade sobre as opções políticas para o país, eu o meu filho de 16 anos, e no fim ainda nos rimos imenso com as parvoíces do "Die Partei".
A Bundeszentrale für politische Bildung (agência federal para educação cívica), que criou esta ferramenta, está de parabéns.

21 setembro 2013

o fim do verão (2)

Em fins de agosto estive numa ilha do Mar Báltico e despedi-me do verão.

Em princípios de setembro fui a Portugal, e reencontrei o verão de óptima saúde. Despedi-me outra vez, com mais pena ainda - quase me doía o sol nas folhas do jardim.



Em Berlim, após uma semana chuvosa e triste, com as árvores já a mudar a cor e os passeios cobertos de folhas, o verão reapareceu - despedi-me de novo. 
Tenho-me lembrado muito de uma crónica que o Miguel Esteves Cardoso escreveu há praí um quarto de século sobre os portugueses e as despedidas. Estou quase quase a perguntar ao verão deste ano: "mas que estás tu a fazer aqui? pois se ainda agora nos despedimos!"










20 setembro 2013

laaaa-la-ra-la-la-ra-laaaaa-la tri-li-li-li...



Manhã cinzenta de chuva. No carro, Emmanuel Pahud toca a Sicillienne de Fauré. Apetece-me descer ao palco da Filarmonia e dançar com ele, depois caio em mim: já estamos a dançar.


19 setembro 2013

o velho que lia poemas de Pablo Neruda

No antigo caminho dos incas que desce da Porta do Sol um velho lia poemas de Pablo Neruda, de frente para Machu Picchu.







diversidade



Este é um daqueles vídeos que me faz sentir pena dos amigos que não entendem alemão. Olivia Jones faz uma reportagem de um encontro do NPD, o partido de extrema-direita alemão - humor do melhor. Por exemplo, a partir de 0:44, quando um responsável diz que é preciso mudar alguma coisa na política alemã, e ela "isso é um pouco vago - pode detalhar?", e ele "para que os interesses alemães passem a ser representados", e ela "quais são os interesses alemães?", e ele "eeeeeh..." Ou a 2:40, quando ela comenta "conheço esse penteado de algum sítio". E um pouco mais à frente: "aqui não há mulheres? não me digam que vocês são uma associação gay? como é que se reproduzem?"
Eles não sabem o que responder. Estão cercados por câmaras de televisão, e vivem num Estado de Direito onde se discute abertamente se o NPD deve ser proibido, por não respeitar os valores democráticos mais básicos. Ficam calados, mas bem se imagina o que fariam à entrevistadora, se tivessem poder para isso. E aquelas caras? Vi-as, tal e qual, na exposição fotográfica permanente da cúpula do Parlamento: eram os deputados do partido nacional-socialista, democraticamente eleitos no início dos anos 30.

Este vídeo lembra-me muito os anos 20 em Berlim: de um lado, uma revigorante combinação de inteligência, loucura e liberdade; do outro lado, pessoas que se consideram decentes e defensoras dos mais nobres ideais, mas nem sequer são capazes de um discurso articulado.
Há oitenta anos, esta cena teria personagens semelhantes, mas um desfecho completamente diferente. Hoje, Olivia Jones consegue mover-se com alguma segurança naquele meio - mas é uma segurança precária: na Grécia já houve uma vítima mortal, nos Países Baixos há um Geert Wilders que sabe gerir na perfeição os limites legais da sua retórica nacionalista e xenófoba. Proteger os valores da nossa Democracia é um acto quotidiano de vigilância e resistência.

"Diversidade destruída" é o tema de uma exposição que decorre este ano em 400 lugares de Berlim.
Oitenta anos depois da tomada do poder por Hitler, e setenta e cinco anos depois da Reichskristallnacht, um pouco por toda a cidade assinalam-se os cenários onde acontecia algo que os nazis decidiram perseguir e eliminar por ser diferente, "não-alemão".
(foto)

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Em contrapartida, em 2012 comemoraram-se os 775 anos de Berlim sob o lema "cidade da diversidade". Desenharam um mapa urbano na praça em frente à ilha dos museus, e assinalaram com globos coloridos o que tornava cada rua especial. Lugares históricos, mas também espaços que as pessoas transformam em lugares de criatividade, alegria e reinvenção da cidade. O caderno de apoio à exposição chamava-se "Dos huguenotes, turcos, russos e outros berlinenses. 775 anos de diversidade vivida."



A diversidade como imagem de marca e símbolo da riqueza desta cidade. Que está completamente falida, mas arranja sempre dinheiro para se confrontar com a História e orientar as agulhas para o futuro.

18 setembro 2013

intacta

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Nas férias de verão alugámos uma prancha de stand up paddleboarding, e largámos a remar em pé nas ondas do Atlântico.
Embora as pranchas sejam grandes e relativamente estáveis, senti-me como quando era miúda e passava horas a brincar na água com os meus irmãos, tentando o impossível equilíbrio em cima do colchão insuflável. O balanço do mar vivo sob os pés, o sol na pele, a leveza, a alegria.

Uma onda mais forte, desequilibrei-me, vi-me a cair na água.
Caiu o meu corpo, e dentro dele essa que era eu aos sete anos - assomou por um instante, revelou que permanece intacta dentro de mim.


17 setembro 2013

cisnes (2)

Heitor Villa-Lobos, O Canto do Cisne Negro

cisnes

Música de Camille Saint-Saëns, Carnaval dos Animais.
Coreografia "A Morte do Cisne" de Mikhail Fokine em 1905, para Anna Pavlova.

In 1934, Fokine told Arnold Haskell, author of Balletomania : Small work as it is, [...] it was 'revolutionary' then, and illustrated admirably the transition between the old and the new, for here I make use of the technique of the old dance and the traditional costume, and a highly developed technique is necessary, but the purpose of the dance is not to display that technique but to create the symbol of the everlasting struggle in this life and all that is mortal. It is a dance of the whole body and not of the limbs only; it appeals not merely to the eye but to the emotions and the imagination.
 (...) Pavlova performed the role some 4,000 times and, on her deathbed in The Hague, reportedly cried, "Prepare my swan costume".  (aqui)


Anna Pavlova:
(seria filha do Pavlov?)
(não, porque nesse caso dançava o cão em vez do cisne)
(mas o Saint-Saens não fez nenhuma dança do cãozinho)
(essa foi feita pelo Chopin)
(então a bailarina havia de se chamar Anna Chopinova)
(ahem... adiante)






Maya Plisetskaya aos 50 anos:
(uma das vantagens de ir fazendo anos a intervalos regulares é que já só me faltam poucos meses para conseguir dançar assim)




Maya Plisetskaya comemorando o seu 70º aniversário:
(hihihi, o Beckham é um menino)




Paul Ghiselin:




John Lennon da Silva (aqui)
(e mais uma vez se conclui que não há rapazes maus)
(mas há júris insuportáveis)
(por isso, ver apenas de 1'45 a 4'02)

16 setembro 2013

e que tal fazer um download disto directamente para as veias?

as tragédias nossas de cada manhã nos dai hoje

A porta do prédio abriu-se para deixar passar um miúdo que correu para as bicicletas paradas no passeio e gritou na sua voz rouca de três anos:
- Os nossos cavalos não sobreviveram!
Repetiu, muito convicto da tragédia:
- Os nossos cavalos, os nossos cavalos! Não sobreviveram.

Na porta apareceu então a irmã, com botas de equitação. Vinha enervada por causa de uma mochila mais pesada que ela (porque será que as crianças de sete anos têm de levar metade da casa para a escola?), e choramingou para a mãe "o meu saco puxa-me para trás!"
A mãe vinha vestida de senhora, e ajudava o mais pequenito a sair pelo seu pé.

Daí a nada vi-os de novo: a mochila no porta-bagagens da bicicleta da miúda, o bebé na cadeirinha atrás da mãe, que continuava com a sua cara de Joana d'Arc às segundas de manhã, e o rapazinho, que aparentemente vendera os cavalos mortos a uma fábrica de lasanhas, e comprara uma Vespa: pedalava alegremente e fazia "vrummmm vrummmmm".

Depois veio uma lufada de vento, e os quatro desapareceram numa nuvem de folhas douradas no larguíssimo passeio do Ku'damm.

Adoro Berlim.

14 setembro 2013

"going postal"



Há cerca de uma semana Peer Steinbrück, o candidato socialista nas actuais eleições na Alemanha, recebeu uma carta anónima. Foi fazer queixa à polícia, e o conteúdo da carta foi tornado público: exigia que o candidato se retirasse da corrida, caso contrário seria revelado que em 1999 deu trabalho a uma empregada de limpeza sem contrato nem descontos. Seguiram-se os esclarecimentos sobre as condições em que essa pessoa foi empregada, as inevitáveis insinuações das teorias da conspiração, e o assunto já estava mais ou menos esquecido, quando o autor da carta anónima se foi entregar à polícia.
Trata-se de um antigo alto funcionário dos Correios. Tinha-se irritado tanto com algo que o Steinbrück fez, que escreveu a carta. Mas não a enviou logo. Aliás: a carta foi parar ao correio sem querer.

Going postal, soma e segue.

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Heimat


"Naquele momento creio ter entendido: a cidade não é um lugar. É a moldura de uma vida, um chão para a memória" - Mia Couto

***

Encontrei a foto e a frase no mural de facebook de uma amiga, chamaram-me como quem pede para ser roubado. Roubei. Logo eu, cuja vida tão cheia de molduras mais parece a secção de quadros da IKEA...

Há tempos, amigos meus - todos expatriados - conversavam sobre o que é Heimat. Chegaram à conclusão que Heimat é o lugar onde a infância foi feliz. Eu não estava na conversa, só soube das conclusões - e foi pena, porque gostava de ter perguntado se a infância foi algures feliz, ou se somos nós que a queremos feliz para termos uma Heimat a que nos agarrar.

No centro histórico de Weimar, as empenas das casas antigas estão decoradas com frases avulsas de escritores famosos. "Devido ao mau tempo, a revolução alemã deu-se apenas na Literatura", por exemplo, ou "Ninguém regressa de uma viagem como partiu".
Tem duas frases sobre Heimat:
- Heimat é onde não precisas de te explicar.
- Heimat é aonde regressas depois de se te acabarem os lugares.

Ando e desando, penso e repenso, e regresso sempre aqui:

- Heimat é um lugar de paz dentro de mim.

(foto)

13 setembro 2013

piropando um pouco mais

 



1. Por causa do debate sobre o piropo, e da reportagem da Fernanda Câncio no DN (caso não saibam ainda, deram-me lá tempo de antena, com fotografia e tudo), um amigo ofereceu-me "A Plea for Eros" da Siri Ustvedt.
Ora bem: se fosse para o Eros, eu até nem me importava. Mas em sendo para o Phobos...
(Esse livro é excelente.)

2. Pergunta para as pessoas que resolveram ridicularizar a proposta de debate do Bloco de Esquerda, só porque não concordaram com os termos em que ela foi lançada: e afinal, agora a sério e só cá entre nós (e esquecendo por uns segundos a troika, os náufragos no Mediterrâneo, a fome, a guerra na Síria e os resultados do futebol) - parece-vos aceitável que nas ruas portuguesas um desconhecido se possa dirigir a uma mulher fazendo comentários sobre partes do corpo dela e as fantasias sexuais que gostaria de pôr em prática com ela? A partir de que idade da "fêmea" é isso aceitável?

3. Tenho andado a pensar numa situação com algumas semelhanças a esta: rapazes ou homens heterossexuais abordados na rua por um homem que não conhecem, para lhes fazer um "elogio" ou uma proposta de consumação da atracção sexual que sente por eles. Conheço de perto três casos desses - e em todos o homem "elogiado" ficou de rastos.
Se alguém viesse propor a proibição destes "piropos", imagino que a reacção da sociedade portuguesa seria diferente: haveria quase unanimidade sobre a urgência de proteger os pobres dos rapazinhos que não podem andar na rua descansados...

4. E se? - O Paulo Pinto faz um desenho para o pessoal que ainda não percebeu como é que esta "poesia da rua" funciona.
(por reflexo de hamster, vou copiá-lo para este post)

***

e se?

por Paulo Pinto, em 13.09.13
Ó filho, dá cá o pau ao caruncho. Foi a primeira vez que ouviu uma destas, teria uns 13 anos e seguia com os amigos para a escola. Não sabia bem o que era o "caruncho", mas o ar desbragado da mulher deu-lhe vontade de rir. Quase parou e ainda esteve para perguntar ao colega, mas este apressou o passo e olhou em frente. A partir daí, e à medida que crescia, passou a entender. Enfunava-te uma vela nessa verga que ta rachava toda. Mesmo que não entendesse o significado exato das palavras, era fácil detetar o tom babado e os olhos gulosos. Esfrega-me aqui esse alho no meu bacalhau. Umas eram mulheres feitas, outras quase garotas; outras ainda, bem mais velhas, pareciam ser quem dava o mote. Algumas metiam um ar falsamente delicado, o que lhe aumentava o incómodo e a sensação, profunda, de desrespeito, de exposição pública, como se fosse um animal ou um boneco. Fugiste da feira? É que és cá um pão com chouriço...
Foi ensinado a não responder, a ignorar, a não "dar trela", senão era pior. Uma velha asquerosa e babada, uma vez, pediu para ele lhe fazer um minete. Quando um amigo lhe explicou o que era isso, andou dias enjoado, só de imaginar... Ó menino copo de leite, anda cá que eu seco-to todo. Era um nó no estômago quotidiano, de manhã, quando saía de casa e sabia que tinha que passar naquela travessa, e ao fim da tarde, no regresso, nas redondezas de um certo estabelecimento. O tom variava, entre a piadinha brejeira - Chamas-te Izidoro Nobre, acertei? - e a interpelação grosseira e obscena - dava-te à bomba até te fazer calos nesses colhões. O que mais o incomodava era o caráter gratuito de tudo aquilo, para quê, qual a utilidade, qual a piada? Havia estúpidas provas de feminilidade com que elas se vangloriavam entre si, com os gajos que já paparam, e tal, agora aquilo, para que servia? A resposta era só uma: para nada. Só para ele saber que estava debaixo de olho, que não riscava nada, que estava à mercê, ali à mão de semear, que era um pitéu pronto a ser devorado, se, quando, como e onde alguma delas quisesse. Não era desejo, nem elogio, nem humor, nem nada. Era poder, apenas isso.
Sabia que as mulheres eram assim, sobretudo em grupo. Cada uma delas era uma pessoa, se calhar boa pessoa, com responsabilidades, família, amizades. Sós, em ambiente maioritariamente masculino, ficavam intimidadas e não piavam. Mas assim, na rua, no meio das amigas, eram umas rainhas, em especial se calhava toparem com uma presa desgarrada, tenra e desprotegida. Umas bestas. Ó bom, tens um irmão gémeo? marchavam com caixa e tudo. O pai dizia-lhe que era mesmo assim, que sempre tinha sido assim, que no tempo dele até era pior, que as mulheres são estúpidas e que não valia a pena usar a razão, muito menos a educação, para persuadi-las do que quer que fosse. A verdade é que toda a gente, elas e eles - sim, havia homens que nem se dignavam falar daquilo e desprezavam quem o fazia -, pareciam minimizar o assunto e reduzi-lo a banalidade; que eram elogios, que eles até deveriam sentir-se apreciados, que eram práticas inofensivas que os faziam sentir mais homens. E que, no fundo, todos gostavam, embora não o reconhecessem. Ó carapau, não tens bigode? anda cá que eu arranjo-te um.
Mas ele pensava de maneira diferente e estava certo que não era assim, que não podia ser assim. Que tinha o direito a andar por onde quisesse e quando quisesse, sem ser importunado com assobios e comentários sobre a sua vida, sobre o seu corpo, sobre a sua roupa ou sobre a sua intimidade. Nunca foi molestado, teve sorte. Os amigos não falavam muito do assunto mas, à boca fechada, um ou outro lá deixava escapar o asco que sentiu com aquela mão, a repugnância daquele encosto, o arrepio daquele contacto não-solicitado, evitado mas suportado em silêncio. E, sobretudo, aprendeu que o que lhe ensinaram não era regra universal, que não tinha que ser assim porque sim, que em muitas regiões do globo o cenário era diferente. Havia até países onde eram os homens que importunavam as mulheres na rua, imagine-se. Alguém acredita?



11 setembro 2013

o quarto poder

A máquina de guerra americana, pronta para invadir a Síria, foi travada por uma pergunta da jornalista Margaret Brennan, durante uma conferência de imprensa com John Kerry: "há alguma coisa que o regime de Assad possa fazer para parar o ataque?"

O muro de Berlim caiu devido à pergunta do jornalista Peter Brinkmann, durante uma conferência de imprensa com Günter Schabowski: "quando é que o novo regulamento de passagem de fronteira entra em vigor?"

Venham mais jornalistas como estes.     

10 setembro 2013

o Chico Buarque e eu



Ando há anos a arrastar a asa à mãe de uma amiga minha, já várias vezes lhe pedi casamento. Ela faz uma tarte de limão espantosa, e eu sonho-nos um futuro de noites loucas a fazer massa areada. Sonhos vãos, porque ela ouve as minhas esperançadas propostas, sorri com a graça da Gioconda, e o assunto fica adiado até à tarte seguinte.  
Soube agora que em tempos o Chico Buarque também se interessou por ela.
Aha, bem sabia que o Chico Buarque e eu tínhamos imenso em comum!
Da próxima vez que lhe ouvir uma daquelas canções de partir o coração devido a um amor não correspondido, já sei que está a falar da dor que só nós dois sabemos. 

(quantas reticências terei de pôr, e onde, para que não haja dúvidas de que isto sou eu a escrever como quem olha para a vida com olhos de rir?)

08 setembro 2013

chauvinismo masculino

(Adenda muito importante: depois de o publicar, dei-me conta de que este post está todo errado. No cartoon, o António representou o Passos Coelho e não a Juíza do Supremo Tribunal de Justiça. Peço desculpa ao António pelas críticas tão injustas que lhe fiz. Só não apago o post porque devo ao autor do cartoon este pedido de desculpas público.)






A ver se entendo: como reacção a uma entrevista em que uma Juíza do Supremo Tribunal de Justiça afirma que  o Estado deve ter uma palavra a dizer sobre o problema do assédio e das agressões verbais de que as mulheres são vítimas no espaço público, o António fez este cartoon.
Está de parabéns: conseguiu uma fantástica caricatura do seu próprio machismo.

Portanto: o António entende que é normal e admissível que miúdas de 12 anos ouçam, no caminho da escola, mimos do género "que rica boquinha de broche". E que a sociedade não tem de meter a colher entre uma mulher e o desconhecido que na rua lhe assobia e a seguir chama "ganda puta" só porque ela fez de conta que não ouviu.

Nem vou perguntar se o António tem uma filha de 12 anos, porque estas coisas não se discutem em função da dignidade das mulheres que estarão sob a alçada de um António qualquer. Só queria mesmo entender se o António, e de um modo geral todos os homens que ridicularizam aquela juíza, acham bem que as situações descritas na reportagem da Fernanda Câncio continuem a acontecer nas ruas de Portugal.

(Também gostava de perceber porque é que, quando se está a falar de frases desagradáveis, invasivas e por vezes até de grande violência, o pessoal insiste em afirmar que os piropos são uma mais-valia das nossas ruas - como se fossem abordagens do género "minha senhora, permita-me dizer-lhe o quanto me alegro por vê-la passar aqui". Mas já devo estar a pedir demais.)

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ADENDA: algum dia havia de me acontecer um falso cognato, e foi neste post. Chamei-lhe "chauvinismo", porque "Chauvinism" é a palavra que imediatamente vem à baila quando falo destes temas com os meus amigos alemães. Em Portugal usa-se mais "machismo". Para não haver equívocos, corrigi o título e uma frase do post.

05 setembro 2013

"amor é primo da morte"


(Käthe Kollwitz, "a chamada da morte" - no link há um texto sobre esta artista, em inglês, e várias obras dela)

Soube recentemente que o marido de uma amiga descobriu, num teste corriqueiro, que tinha demasiados glóbulos brancos. Fez outros testes, e recebeu o veredicto: leucemia crónica. Ainda está bem, mas não se sabe o que vai acontecer a seguir. Tem cinquenta anos.

Que se diz a um amigo numa situação destas?

- É bem verdade que a gente se esquece que cada dia é um presente, e nada nos está garantido, disse eu.
- Isso mesmo, disse a minha amiga, e soltou uma gargalhada dorida. Agora só fazemos planos de curto prazo.

Que é que eu mudaria na minha vida se soubesse que já não sou imortal? Que planos mudaria, que projectos anteciparia? Que herança tentaria deixar? Que faria de modo diferente?

Há algum tempo tive uma cena muito desagradável com uma pessoa que me ofendeu e que, quando caiu em si, me telefonou a pedir desculpa. Achei o gesto bonito, mas também inesperado. Sobretudo a seriedade e dignidade com que pedia desculpa, sem tentar o "mas olha que tu também..." ou sequer o "senti-me assim e assado". Desculpa, simplesmente. Queria ficar de bem comigo.
Morreu umas semanas mais tarde. Suspeitamos que já pressentira a morte vários meses antes.

Mais que os planos de curto ou longo prazo, é o modo como estamos com as pessoas. Agiríamos do mesmo modo se soubéssemos que os nossos dias estão contados?

(E que espécie de loucura nos faz pensar que não estão?)

o que cabe numa semana

Tenho este post preparado há 10 dias. Comecei a escrevê-lo no próprio dia em que os amigos regressaram a Portugal, quando a nossa casa ficou subitamente muito oca. Queria juntar fotos melhores que as que fiz com o telemóvel, mas é impossível escolher entre os milhares de imagens que eles aqui deixaram. Tanto mais que muitas delas foram feitas nos museus, e de repente dou comigo a passear de novo por aquelas salas, com os olhos que eles me emprestam.

Desisto de tentar juntar as melhores fotos da semana. Ficam as possíveis, a acompanhar um roteiro de uma semana em Berlim.

***

Começar pela nossa vida: a cave da casa nova (yes! já temos uma cave em Berlim! já temos onde guardar a famosa mala que os amigos cá deixam...), o "nosso" lago. Seguir para o Checkpoint Charlie. Subir à cúpula do Reichstag. Passear entre os edifícios parlamentares, ver duas esculturas coloridas num jardim da Paul-Löbe-Haus e tentar descobrir quem são os dois alemães famosos que representam. Apreciar a cantina dos funcionários, numa sala envidraçada virada para o rio.

Ter de escolher entre um mergulho no lago e percorrer o mercado de sábado de manhã na Karl-August-Platz. Vida de mil faces transbordantes.

[Tantas comidas que lhes prometi enquanto passeávamos ao longo das barraquinhas de legumes - por exemplo: Pfifferlinge - e tantas promessas que não cumpri.]

Festa dos 150 anos do SPD no coração de Berlim. A frase "um país melhor não acontece por acaso".

[A avenida 17 de Junho fechada, quatro palcos, stands dos vários movimentos e organizações. O candidato do SPD a falar para 300.000 pessoas. Miúdos a fazer bowling contra mecos com figura de anõezinhos neonazis. Eu a comprar umas canecas de café, um set de 3 com a cara dos políticos socialistas: "Dá para trocar o Schröder por outro Willy Brandt?" O vendedor a sorrir: "infelizmente, não é possível..."]

Atravessar a cidade com quatro bancos de cartão que nos deram na festa do SPD. Memorial do Holocausto, e o respectivo centro de informação.

[Já estive lá várias vezes, e é sempre o mesmo choque. Desta vez, tropecei num postal enviado por uma mãe na véspera da deportação, e a exposição acabou-se-me aí. Ocorreu-me fotografar a expressão das pessoas que vão avançando lenta e penosamente por aquelas salas. Mas talvez seja melhor respeitar esses momentos de cada um.]

Uma raposa calmamente sentada junto a uma estátua no parque, ao lusco-fusco, após um concerto formidável do Konstantin Wecker.

[ - o último que fazia com aquela banda. Eu com pena dos meus amigos, que não entendiam o que ele dizia. Eles deliciados com a música.]

Os pátios na zona dos Hackesche Höfe (também o da oficina de cegos do Otto Weidt, cheio de graffiti e guerilla knitting, o do restaurante Pan Asia, os Rosenhöfe do arquitecto Hinrich Baller). O show que está no Chamäleon: Beyond.

[Um show com excelentes ginastas, e tema inesperado: os homens aparecem como ursinhos fofos e as mulheres como seres estranhos, fortes, ameaçadores.]

O Fox e o Matthias em dueto musical. O Memorial do Muro, na Bernauer Strasse.

[Dias antes, a 13 de Agosto, tinham deixado lá coroas de flores lembrando as vítimas do muro. As flores dos Verdes eram as mais murchas. Rimos muito, mas depois pensámos que provavelmente seriam as únicas realmente naturais.]

Dois "moon walkers" no Karaoke no Mauerpark. Chuva. Um cheirinho de Prenzlauer Berg: Oderbergerstrasse (com paragem para waffles no Kauf Dich Glücklich) e Kastanienallee. O violoncelista Bruno Borralhinho e o seu Ensemble Mediterrain a tocarem Schubert na curva mais bonita da ilha dos museus. A lua cheia.

O lago Wannsee. A Villa Liebermann. As tortilhas à maneira alemã num restaurante tosco junto ao lago. A Casa da Conferência de Wannsee, e o horror estampado na cara da Leni Riefenstahl, ao assistir ao fuzilamento de alguns judeus. O enclave claustrofóbico de Klein-Glienicke - no meio de nada, o muro ao fundo dos jardins. A ponte onde se trocavam espiões. Um Kaiser que fez a Europa dos Pequenitos às portas de Potsdam: de Inglaterra à Itália, atravessando uma aldeia Suíça (há malucos para tudo). O concerto quase bom no Hexenkessel (o teatro de madeira em frente ao Museu Bode). No palco de dança junto ao rio, o casal já de certa idade em rodopios dos anos sessenta - entregues um ao outro como se fossem "Fulano & Fulana, a ser felizes desde 1963".

A Ilha dos Museus: museu antigo e museu novo, Pérgamo e galeria nacional antiga. A Gemäldegalerie com a sua colecção de pintura europeia até ao séc. XVIII, e gravações áudio intermináveis. A nova galeria nacional.

[Eu nos museus a resmungar "passam a vida a tirar-me as coisas do sítio!"
Marx e Mao na sala da Pop Art, juntamente com Andy Warhol e parte do filme Yellow Submarine. As esculturas ao ar livre - marcas de pneus de bicicleta no Broken Obelisk de Barnett Newman, cujo aluguer por 10 anos custa, segundo ouvi dizer, a módica quantia de um milhão de euros.]

A Pietà da Käthe Kollwitz. O memorial dos livros queimados a 10 de Maio de 1933 na Bebelplatz. A loja de chocolates Ritter e a Fassbender und Rausch. A praça Gendarmenmarkt. Os centros comerciais de luxo na Friedrichsstrasse. The Tour of Klythie, uma escultura de Chamberlain feita com sucata colorida, que parece que vai ser retirada. Uma exposição de design contemporâneo, na cave por baixo de um dos famosos Bugatti, na esquina com Unten den Linden. A Dussmann.

O Street Food Market em Kreuzberg. O Bonjour Tristesse, que agora tem mais uma inscrição, "bitte lebn". O Clube dos Visionários. O Badeschiff (dois minutos antes de fechar). Um bocadinho do filme sobre a história do Parlamento Alemão, que este verão é projectado na fachada da biblioteca parlamentar, para um público sentado nos degraus junto ao rio.

Potsdam com os seus palácios e parques, a aldeia russa e a cidade holandesa. Matjes sobre Pumpernickel (e ir para a Filarmonia com hálito de cebola crua). Rattle e Mozart na Filarmonia: as três últimas sinfonias.

[À porta, junto ao tapete vermelho, uma manifestação de artistas independentes, pedindo apoios no valor de 18 milhões de euros. Simon Rattle a dirigir sem batuta nem partitura, mimando a música um compasso antes de ela acontecer, e no seu melhor "license to kill". Eu a pensar pela milésima vez que os bancos do coro são o melhor sítio para assistir aos concertos com este maestro. A sala cheia de famosos que nós não conhecíamos - excepto a Herta Müller e o antigo presidente do Deutsche Bank que festejou um aniversário seu nos salões da chancelaria. O passatempo no intervalo: "para quem são aqueles três guarda-costas ali em pé ao fundo do bloco A?" (não conseguimos descobrir).]

Uma magnífica lua cheia sobre tudo isto, e uma tranquila alegria entre nós.

Parte das fotos que se seguem foram feitas por mim com um telemóvel fanhoso. Outras foram feitas pelos meus amigos. Para não ficar aqui meia hora a pôr créditos, ficamos assim: as melhores são deles. Pronto.




















(infelizmente não encontrei nenhuma gravação dos artistas que vimos)