(Käthe Kollwitz, "a chamada da morte" - no link há um texto sobre esta artista, em inglês, e várias obras dela)
Que se diz a um amigo numa situação destas?
- É bem verdade que a gente se esquece que cada dia é um presente, e nada nos está garantido, disse eu.
- Isso mesmo, disse a minha amiga, e soltou uma gargalhada dorida. Agora só fazemos planos de curto prazo.
Que é que eu mudaria na minha vida se soubesse que já não sou imortal? Que planos mudaria, que projectos anteciparia? Que herança tentaria deixar? Que faria de modo diferente?
Há algum tempo tive uma cena muito desagradável com uma pessoa que me ofendeu e que, quando caiu em si, me telefonou a pedir desculpa. Achei o gesto bonito, mas também inesperado. Sobretudo a seriedade e dignidade com que pedia desculpa, sem tentar o "mas olha que tu também..." ou sequer o "senti-me assim e assado". Desculpa, simplesmente. Queria ficar de bem comigo.
Morreu umas semanas mais tarde. Suspeitamos que já pressentira a morte vários meses antes.
Mais que os planos de curto ou longo prazo, é o modo como estamos com as pessoas. Agiríamos do mesmo modo se soubéssemos que os nossos dias estão contados?
(E que espécie de loucura nos faz pensar que não estão?)
7 comentários:
talvez sim e talvez não, Helena. (isto no toca a mudarmos alguma coisa do nosso agir sabendo que a morte está "anunciada"). Bem, mas sabendo que a morte é certa, viva-se a vida. para além dos choques e sobressaltos...mas isso tu sabes muito bem.
:)
Tenho pensado muito no "bonjour tristesse" do Siza Vieira. Agora tem outro grafito: Bitte Leben.
Passamos a dar muita atenção às "pequenas coisas" e a esquecer outras.Os sabores,os cheiros,todas as variações do clima,dia a dia,a luz e as sombras,os andamentos mais delicados de uma obra musical,beleza oculta em muitas faces,diálogos murmurados...É uma vida nova.
José,
curiosamente, há bocadinho falava sobre eutanásia com uma amiga, dizendo que me custa imaginar-me a mim própria marcando a hora a que vou morrer. Porquê às três, e não às quatro? Como posso decidir qual é o momento certo para parar tudo? O seu comentário completa a minha ideia: só mais um bocadinho destes sabores, destes cheiros, só mais um concerto de Mahler, só mais esta conversinha...
E é o que tenho feito.
Neste momento a 8ª de Bruckner,na Dois.E lembra-me de ter ido ao Coliseu,Celibidache.
José,
Os seus comentários fazem-me pensar que vai uns passos à minha frente nesta aventura que é a vida.
Sem saber nada da sua história, mas muito tocada pelas suas palavras, deixo-lhe aqui um forte abraço.
Obrigado.
Retribuo o abraço.
Ele há histórias que parecem decalcadas.
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