03 março 2010

"desfigurar as nações"

Voltando à versão original do texto do senhor tenente-coronel piloto aviador João José Brandão Ferreira (no Público, via Jugular), e ao seu medo dos imigrantes que desfiguram nações, convém lembrar que as nações já estão a ser transformadas por dentro, e que as tradições e a moral de muitos desses imigrantes estão bem mais próximas das de certos nacionais que das de outros.

Por exemplo: os valores que João José Brandão Ferreira quer ver protegidos pelo Estado (seguindo a ordem do seu texto: o reforço dos laços familiares tradicionais; o regresso da mulher ao lar no seu papel fundamental e insubstituível de esposa e mãe; a recusa da miscigenação cultural; o desprezo e a indiferença perante os desempregados, toxicodependentes, delinquentes; a atitude de condenação dos homossexuais; a defesa de símbolos religiosos nos espaços públicos) são sensivelmente os mesmos valores de muitas famílias provenientes de regiões rurais do espaço muçulmano, e bem diferentes das "modernices" de certos grupos sociais portugueses.

Afinal o que é essa cultura soberana que J.J. Brandão Ferreira quer proteger das influências dos imigrantes? A sua, ou a igualmente portuguesa cultura da modernidade, da abertura e do respeito pela individualidade?
E porque é que tem tanto medo dos imigrantes, se muitos destes partilham afinal as suas mais profundas convicções?

Até devia ficar contente. Se estes imigrantes continuarem fiéis às suas tradições, daqui a meia dúzia de anos a maioria do eleitorado será extremamente conservador e quererá o mesmo tipo de Governo que J.J. Brandão Ferreira. Pelo menos no que diz respeito à repressão dos homossexuais, ao reforço da família às custas da mulher, à insensibilidade para com os "associais". No fundo, o único elemento de discórdia é o nome que dão ao mesmo Deus.

4 comentários:

antuérpia disse...

Helena, não sei de tens razão em dizer que «muitos destes partilham afinal as suas mais profundas convicções»(enfim, o tipo de imigração em Portugal não é o da Alemanha,por enquanto, pelo menos). Mas se a tiveres, desculpa, mas fico já do lado do tenente-coronel. Já nos basta aturá-lo a ele e aos seus dislates, próprios de pasquins de província (acho que nem mesmo aí, vi artigo que exprimisse sentimentos e ideias tão básicas de uma forma tão primária...ou, pensando bem, talvez só aí tenha visto.)
E parabéns! Muito inteligente essa ideia de o «driblares», discutindo dogmas que ele gostaria que permanecessem como tal :)). É uma bela chapada com luva de pelica no Público também.

Helena Araújo disse...

Olá Antuérpia,
pois é, depois de escrever o post dei-me conta que os grupos que vão para Portugal são diferentes dos que vêm para a Alemanha.
Muito do que ele diz poderia ser subscrito pela fasquia mais conservadora de imigrantes turcos residentes em Berlim. As coisas por aqui correm tão mal entre algumas famílias de imigrantes, que elas chegam a importar noivas e noivos porque os que nasceram aqui e passaram pela escola pública "já estão estragados".
Contudo, um país não pode recusar a entrada de pessoas com base nas suas tradições ou na sua religião.
A solução é:
- Investir na integração (dar a essas pessoas e aos seus filhos a possibilidade de um lugar digno nesta sociedade);
- Rejeitar os discursos de ódio de parte a parte. O que passa também por debates alargados, mas com fronteiras bem claras sobre o modo como se fala das questões;
- Não deixar que o edifício jurídico se deixe confundir pelo multiculturalismo. A Lei deve ser igual para todos, e a sua interpretação não pode depender da tradições culturais que não respeitam os princípios constitucionais do país.

Acredito no poder renovador da diversidade da cultura europeia. Acredito que somos capazes de transmitir a outras culturas o essencial e o mais valioso da nossa cultura, e de simultaneamente nos deixarmos enriquecer por outras maneiras de estar, sem que isso represente uma ameaça à nossa identidade.

Quanto aos imigrantes que chegam a Portugal: o que é que nos incomoda na sua cultura? Que hábitos culturais trazem, que são tão ameaçadores para a nossa cultura soberana?

Finalmente, o Público: essa da luva de pelica é engraçada, mas era preciso que o jornal soubesse que eu existo...
Neste caso, prestou um péssimo serviço. Porque é fundamental discutirmos estes temas (e nem lhes vou chamar "dogmas", prefiro dizer "preocupações"), mas tinham de arranjar alguém com um discurso mais elaborado.
Isto, admitindo que não fizeram de propósito para ridicularizar esse tipo de opinião.

Rita Maria disse...

Isto era tudo verdade e muito bonito, mas o tenente-coronel também nao está a falar dos imigrantes em Portugal. Ele está a pelejar pelo conservadorismo e tenta inscrever o seu discurso num discurso muito popular Europa fora que parece também colher aprovaçao em Portugal. A relaçao com a realidade portuguesa específica é irrelevante, chega perfeitamente um "qualquer dia estamos como na Alemanha, onde..".

Helena Araújo disse...

Na Holanda, Rita, na Holanda.
Qualquer dia estamos na Holanda, onde os imigrantes não respeitam nada nem ninguém e se ficam a rir das tradições mais caras ao país que os acolhe.
;-)