11 julho 2019

cocó! (hihihihi)

Há tempos li um artigo de opinião no Spiegel online (infelizmente esqueci o nome do autor) onde se comparava o politicamente correcto à condução cuidadosa numa zona urbana com muitas pessoas.  A ideia era muito simples: se sei que há muitos peões nesta zona, se sei que há crianças a brincar, se sei que qualquer descuido meu pode provocar um acidente, naquela zona conduzo com redobrados cuidados. E nem por isso me vou queixar de que a minha mobilidade está em risco.

Traduzido o discurso dos opositores do politicamente correcto para os termos desta imagem, fica:

- Quero lá saber se há crianças e velhinhos a atravessar a rua! Tenho um bólide novinho em folha, estou numa rua para carros, tenho direitos. Saiam da frente, aqui vou eu!

A imagem também se aplica maravilhosamente à lamúria "sou um desgraçadinho, diga o que disser, há sempre alguém que se sente ofendido...":

- Tenho direitos! Estou a cumprir a velocidade legal dentro das localidades! Não tenho culpa que a rua seja estreita, sem passeios e cheia de peões. A cada metro, pumba!, mais um que se queixa que foi atropelado! Não me deixam conduzir como me apetece! Sou um desgraçadinho.

Num outro artigo de opinião na mesma revista, Ferda Ataman compara estas pessoas que querem  falar como lhes apetece, e sem se sujeitaram às peias da boa educação e da inteligência, a um miúdo de três anos que grita para o meio da sala "cocó!" e depois fica na expectativa, a ver como é que os adultos vão reagir. Como explicava a Françoise Dolto já há muitos anos: uma criança que diz "cocó!" para uma audiência de adultos sente-se muito poderosa.

Enfim, criancices.

Mas isto dá-me uma ideia. Para conseguirmos uma plataforma de entendimento entre os adeptos e os opositores do politicamente correcto, e lembrando ainda aquela piada da família que numerou as anedotas para as contar mais depressa ("37!" "hahahaha" "51!" "hehehehe, muito boa!" "15!" "oh, essa não se conta à mesa!"), quem quiser dizer o que lhe apetece sobre uma minoria podia anunciar simplesmente:

- Estou a dizer um cocó sobre os ciganos/africanos/judeus/mulheres/gays/desempregados/deficientes/idosos/etc. !

Dizia "cocó!", ficava aliviado, até podia entrar para as estatísticas ("em Julho aumentou exponencialmente o número de cocós xenófobos nas redes sociais") e o grupo alvo não se sentia espezinhado como nos casos em que alguém diz por extenso o que lhe vai nas tripas.


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