Este post era para ser literatura, e por isso - oh, que truque pueril! - invoco José Cardoso Pires que, segundo dizem, um dia foi ao frigorífico buscar qualquer coisa e voltou de lá com uma cenoura mirrada na palma da mão, encantado. Da cenoura moribunda estava a nascer uma rama verde, e este milagre da resiliência da natureza é de deixar qualquer um sem palavras, sobretudo quando decide ter tempo suficiente para reparar e emudecer.
Tenho um milagre desses cá em casa. O hibisco que me deram quando a Christina nasceu, e já passou por tudo: inúmeras mudanças de casa, janelas a norte e janelas a sul, férias grandes de verão em que ficava na varanda do prédio, na certeza de que o verão alemão cuidaria dele enquanto nós estávamos em Portugal - e o primeiro verão em que não choveu, e quando regressámos o encontrámos quase sem folhas, o que faz do nosso hibisco a primeira vítima do aquecimento global que conheço na Alemanha. Nos últimos anos, um bicho invisível consome-o folha a folha e alastra às plantas todas que estão por perto, um horror. Já tentámos de tudo, inclusivamente envenenar-lhe a terra. Esta derradeira estratégia correu bem, mas foi só até o veneno passar a ser proibido na Alemanha. Em desespero de causa, fui para a internet em busca de soluções. "Aspergir com uma solução de sabonete líquido", li. Em desespero de causa, experimentei. E saí em viagem de negócios. Uns dias mais tarde, recebi notícias de casa: "this is the end!" Despedi-me mentalmente desta planta que nos acompanhou durante mais de trinta anos e pensei: "eu vou ser como a cenoura!" Em vez de me dar por vencida, comecei a fazer planos sobre tudo o que de futuro vou poder plantar, depois de finalmente livrar a sala daquela fonte de maleitas que matava tudo à sua volta.
Uns dias mais tarde recebi mais notícias de casa: "milagre!"
Cá está o hibisco de novo, carregadinho de folhas de verde tenro. O bicho, por enquanto, não se manifestou. Mas não sei se regressará ou não.
Portanto, mais uma vez: eu vou ser como a cenoura. Em vez de insistir no projecto de plantas mirabolantes numa casa sem bichos invisíveis, vou aproveitar que tenho milagres e mistérios na minha sala e crio uma nova religião: os adventistas do eterno retorno.
Se o bicho voltar, vendo as folhas infestadas como se fossem relíquia. Para que os seguidores desta fé possam multiplicar o mistério na sua própria casa. E também para me governar, que não sei que me parece criar uma religião nova sem ser para ganhar dinheiro.
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