Hoje sou do Porto, anuncio com alegria: Liberdade, liverdade!
A liberdade conquistada pelos portugueses há 51 anos entrou de tal modo na minha vida que até me esqueço da sua existência. Como o ar que respiro: de tão natural, omnipresente e invisível, não penso nele, nem no que lhe devo. Não penso nela, nem no que lhe devo.
E é justamente por ser tão normal que a liberdade é tão frágil. Quem nasceu livre não sabe o que é ser não-livre. Nem lhe ocorre essa possibilidade. Por ignorância do que é viver nos antípodas do que têm sem se darem conta, muitos votam contra o sistema sem se darem conta do que deitam a perder.
Ultimamente, por causa de um convite para o casamento de uma amiga na Califórnia, dei comigo a perceber de forma palpável, mesmo física, o que é viver sem liberdade. De cada vez que punha um like numa publicação que criticava Trump, sentia o aguilhão do risco: que preço viria a pagar por isso? Hesitava, pensava duas vezes antes de escrever ou partilhar alguma publicação sobre o que se está a passar nos EUA.
Entretanto, as notícias de maus-tratos a turistas nos aeroportos daquele país foram ficando cada vez mais alarmantes. Comecei a temer ver-me presa por tempo indefinido, a dormir no chão, com um cobertor de alumínio, incomunicável e sem acesso a advogados. E que garantia havia de que não me mandavam para El Salvador por causa de um texto, um desenho, três likes?
Foi assim que eu, cidadã livre de um continente livre, aprendi o que é o aperto no peito, o medo, e a revolta de ser obrigada a calar a voz da minha consciência em nome da minha segurança física.
Uma voz interior tentava-me: "Não escrevas, deixa andar. De qualquer maneira, o mundo não depende de ti..." Se ficasse calada, se apagasse posts e likes antigos, provavelmente não tinha problemas. Mas era mais forte que o meu medo, e por isso continuava a publicar.
Acabei por desistir do projecto de ir à Califórnia este ano. Mas recomendo muito a quem está com vontade de votar contra o sistema (porque "em 50 anos não fizeram nada", ou porque isto "já bateu no fundo", ou porque "é preciso dar uma oportunidade aos outros, a ver se alguém finalmente faz alguma coisa") que ponha seriamente a hipótese de uma viagem aos EUA ou à Rússia, a ver se é mesmo esse o rumo que interessa dar ao nosso país e ao futuro dos nossos filhos.
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A liberdade é só uma, mas escreve-se de muitas maneiras:
A Curva
A Gata Christie
Boas Intenções
Gralha dixit
O blog azul turquesa
Panados e Arroz de Tomate
Quinta da Cruz de Pedra
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