23 abril 2025

*despertador*

O melhor despertador que conheço somos nós próprios, ou aqueles que amamos. E não me refiro ao "acorda, querido, são horas de levantar" ou ao atabalhoado "levanta-te! vais chegar atrasado à escola!", mas ao que nos faz acordar para os horrores do mundo: só despertamos realmente para a realidade quando ela começa a ameçar os nossos, ou a nós próprios. 

É nisto que tenho pensado por estes dias, a propósito do Centro de Confinamento del Terrorismo (CECOT), de El Salvador, que existe há mais de dois anos. Como foi criado para combater os gangs da droga, que não pertencem à minha bolha, continuei a dormir descansadamente. Nem sequer me dei conta de que estamos perante um campo de concentração onde se acumulam milhares de criminosos e de inocentes para ali atirados pelo poder discricionário de um Estado que usa a segurança como desculpa para não ter maçadas com tribunais, coitados, já tão sobrecarregados, ou para não correr o risco de um veredicto justo, passe o cinismo.  

Só quando os EUA começaram a enviar estrangeiros inocentes para o CECOT, e pensei nos tantos amigos e familiares que tenho nesse país, me dei conta de que a qualquer um deles pode acontecer a tragédia de a polícia o tomar por terrorista, ou anti-semita, e o enviar para uma prisão salvadorenha sem passar pelo tribunal. Só então acordei para esta realidade: os beliches de metal sem colchão, a luz acesa 24 horas por dia, a tortura, os apenas 30 minutos de exercício físico por dia, a impossibilidade de comunicar com familiares e advogados, os sinais de violência no corpo de quem morre.

"Primeiro, vieram pelos criminosos dos gangs da droga, e fiquei calado porque não era criminoso dos gangs da droga, depois vieram pelos estrangeiros sem papéis..."

O nosso melhor despertador tem de ser afinado: só nos permitirá andar a horas certas quando a perseguição a alguém for vivida como se fosse uma perseguição aos nossos. Por uma questão de humanidade (para os mais idealistas) e por uma questão de realismo (para os outros): porque já conhecemmos a embriaguez do poder desbragado, já sabemos que quem persegue uns grupos passa facilmente a perseguir os seguintes sem fazer distinções. Se permitimos que o sistema descarrile para os outros, mais tarde ou mais cedo será a nossa vez. 

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1 comentário:

jj.amarante disse...

Errata: é CECOT e não COCEC