13 junho 2024

lagostices

 

(foto)

Não pagar um preço decente pelo trabalho dos tradutores dá nisto: chega-se ao fim, e os desgraçados não sabem a diferença entre uma lagosta e um lavagante.

Estão-se a rir?

Pois agora vejam: o bicho escolhido por Jordan Peterson para dar lições aos humanos é o lavagante, aquele crustáceo com pinças enormes, possantes e muito saborosas (em termos de preço de tradução, não me pagam mais que aos outros, aviso já, mas dá-se o caso de ter estado a viver na Bretanha durante o confinamento, quando o marisco foi posto quase ao preço da carne de galinha de aviário, pelo que tive assim a oportunidade de aprender a distinguir as duas espécies pelo sabor).

Adiante. Por causa do livro do Peterson, aquele crustáceo com pinças enormes e possantes, dizia, tornou-se a mascote dos masculinistas.

Só que em Portugal traduziram para "lagosta". Acabei de verificar isso num artigo no Observador, que mostra uma imagem do Peterson com um enorme lavagante sobreposto, e depois o texto todo fala em lagosta (se calhar já aumentavam também os salários dos revisores dos jornais?) (ai, espera, parece que isso é profissão que deixou de existir).

E afinal, como se distingue um lavagante de uma lagosta? O lavagante tem as tais pinças, a lagosta tem perninhas e antenas. Antenas para perceber a tempo o que por ali vem, perninhas para fugir melhor.

Moral da história: na famosa "coutada do macho latino", a mascote dos masculinistas é um bichinho sempre pronto a dar às de vila-diogo...

(Será justiça divina? Será Deus a escrever por linhas tortas? Se assim for, então, meu caro Deus: da próxima vez, peço que a linha comece a entortar noutro lado, e não no preço do trabalho do tradutor. Amén.)

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Na imagem acima, que ilustra o artigo do Observador, retrataram o profeta dos masculinistas com um lavagante fêmea. Se calhar também é justiça divina...

Ou então, é o maldito lobby do marxismo cultural, que até no Observador se infiltrou...

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Era uma vez uma rapariga que chegou a este dia de manhã bem cedinho, cheia de boas intenções de aviar uma bela quantidade de páginas do livro que está a traduzir.

E depois perdeu três horas a tentar perceber de que é que Jordan Peterson está a falar quando diz "lobster". Assim recolheu um belo conjunto de pistas sobre a indigência intelectual do artista: lê um estudo sobre lagostins, chama-lhes lagosta e ilustra a sua palestra com um lavagante.

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Sabem a oração do tradutor?

- Meu Deus, dá-me tempo para ir investigar o que é importante, descontracção para despachar com duas penadas o que é secundário, e inteligência para saber distinguir um do outro.

(li algures uma oração deste tipo, mas como não me lembro como era, inventei esta assim)


2 comentários:

jj.amarante disse...

Consultei um amigo sobre a sua paráfrase que me disse:
«
O que me ocorre é uma conhecida citação de S. Francisco de Assis:
“Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado…
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado…
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra.”
»

Helena Araújo disse...

Eu a pensar que me ia revelar tudo sobre esta questão premente do lavagante versus lagosta, e afinal vem-me com a oração de São Francisco!
Bem: o que conta é a intenção. :)