23 maio 2024

debate imaginário no Parlamento português


Deputado de um certo partido: - Todas as portuguesas são umas vacas! Presidente Aguiar-Branco interrompe: - Lembro ao Senhor Deputado que não pode ofender as pessoas presentes nesta Assembleia. A sua liberdade de expressão, que respeito inteiramente, só prevê a possibilidade de ofender ou injuriar quem não participa neste debate. Deputado corrige: - Todas as portuguesas são umas vacas, excepto as digníssimas Senhoras Deputadas aqui presentes. Membros do partido desse deputado: - E a minha mãe! Membro desse mesmo partido, quase inaudível: - E a minha mulher! E a minha barregã!

[ Daqui: "O presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco, elaborou um parecer para não deixar margem para dúvidas sobre este assunto no futuro (...) De acordo com Jorge Paulo Oliveira [porta-voz da conferência de líderes], o documento defende que “uma ofensa dirigida a qualquer deputado, grupo parlamentar, partido político extravasa o que é a liberdade de expressão e deve merecer um reparo do senhor presidente da Assembleia da República", explicou. "Mas coisa diferente é quando essa ofensa ou injúria é dirigida aos não participantes no debate”, acrescentou.

Como se não fosse suficientemente mau, ainda assim, o presidente da Assembleia da República propõe a revisão do regimento para a criação de um voto de repúdio/rejeição. 'Criamos uma figura do chamado voto de repúdio perante qualquer injúria a terceiros não participantes no debate, que pode ser apresentado por qualquer grupo parlamentar', disse Jorge Paulo Oliveira."

Parece-me um sinal bastante evidente de que o Presidente da Assembleia da República não se sente à vontade para exercer a autoridade decorrente do cargo que ocupa, a autoridade que é condição indispensável para cumprir o seu dever de velar pela dignidade institucional. Para se esquivar, passa a batata quente aos deputados. Algo que devia ser óbvio - o respeito por um dos princípios básicos da Constituição, concretamente: nenhuma etnia pode ser considerada menos digna - é agora algo discutível e passível de ir a votos. Algo que devia ser básico e indiscutível torna-se um factor que cria ainda mais ruído no plenário, ainda mais tensões entre os partidos, ainda mais polémicas mediáticas, ainda mais desencanto com o sistema democrático. Parabéns, Aguiar-Branco! (Às tantas, já começavam a vender bilhetes para assistir àquele circo, sempre era uma maneira de arranjar fundos para pagar a terceira travessia do Tejo - ao menos isso.) A solução alemã parece-me preferível: o Presidente sabe estar à altura do lugar que ocupa, e chama a atenção ao deputado que no seu discurso está a ofender algum grupo social. Se o deputado não acatar o julgamento do Presidente, só então o Parlamento vota sobre o caso.

A cereja no topo do bolo (ainda na mesma notícia): "Uma vez que o texto de José Pedro Aguiar-Branco recolheu consenso da maioria dos partidos, o presidente da Assembleia já não vai ouvir os antigos presidentes do Tribunal Constitucional." Good job. Se calhar já aumentavam o salário dos deputados e reduziam os do Tribunal Constitucional, já que uns vão fazer o trabalho dos outros.



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