„O que é a Páscoa? Sei que morreu alguém – mas quem era essa
pessoa?”
Quem fazia tais perguntas era um jovem inglês, finalista do liceu na Escola Europeia de uma cidade do sul da Alemanha, em finais do século XX. Depois de superar o meu próprio espanto, falei-lhe do Natal (um Deus que se faz humano), de Jesus (“oh, esse era um tipo cool, toda a gente o conhece”, comentou ele com um sorriso enorme) e por fim narrei a traição, a morte na cruz e a ressurreição. Olhou-me como se tivesse acabado de lhe contar uma história delirante. “Vocês acreditam nisso?!”, perguntou ele, e no seu rosto espelhou-se uma tolerância benevolente.
Transmitir a alguém a fé cristã é uma tarefa muito difícil. Especialmente
quando os valores e os simbolismos são transportados por uma Igreja que se
revela de mãos sujas ao longo da História – e, por desgraça, também no
presente. A sede de espiritualidade e transcendência continua a existir no ser
humano, mas os caminhos dessa busca são cada vez mais diversos e, nomeadamente
no contexto social europeu, deixaram de ser um monopólio das Igrejas. Ao mesmo
tempo, a cultura e os valores mais essenciais da nossa Europa assentam no
Cristianismo. Sem um conhecimento básico da tradição cristã, ninguém entenderá
o essencial de muitas obras de Bach ou Da Vinci, por exemplo. E, no que diz
respeito aos valores, reconhecemos a maior grandeza àqueles que agem movidos
por imenso amor aos outros – o que é, afinal de contas, o essencial da mensagem
de Jesus Cristo.
Num mundo onde convivem cada vez mais o ateísmo, o agnosticismo e múltiplas espiritualidades alternativas, qual será o lugar do Cristianismo e da sua interligação com a nossa cultura? Será que, em algum momento, as imagens da cultura cristã passarão a ser vistas e entendidas do mesmo modo que as da antiguidade clássica? “A Anunciação” equiparada a “Leda e o Cisne”? “O Rapto das Sabinas” ao lado de “A Matança dos Inocentes”? Será que frases como “atire a primeira pedra” e “mais facilmente passa um camelo pelo buraco de uma agulha...” serão usadas com a mesma ignorância sobre o contexto original com que hoje em dia dizemos “o dinheiro não tem cheiro” ou “in vino veritas”?
E se outra fé vier ocupar o lugar do Cristianismo, e se sociedades futuras misturarem novos simbolismos às nossas datas maiores: quem ressuscitará no domingo de Páscoa?
Não sei, mas estou certa de que se tratará sempre de um Ser
que apela ao melhor que há em nós, e que nos convida a ir para além da nossa
imperfeição humana, com vista à construção de um mundo melhor para todos. O que
quer que seja que isso significa: caberá sempre a nós descobrir.
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