A propósito de um jardim infantil em Hamburgo, que decidiu não ter um pinheirinho de Natal por uma questão de liberdade religiosa (pinheirinho de Natal e religião, hihihihi), Friedrich Merz, o actual líder da CDU, veio a público dar um presente natalício à extrema direita, afirmando que "comprar um pinheiro de Natal faz parte da cultura dominante alemã".
Oh, a cultura dominante alemã! Quem me dera saber se é a cultura de Berlim, a de Rosenheim, ou a de Raguhn-Jeßnitz (que agora tem um presidente da Câmara que é AfD) (que durante a campanha eleitoral prometeu tornar os infantários estatais gratuitos, e mal chegou ao poder se viu obrigado a aumentar os preços, hihihihi). A da Alice Schwarzer ou a do Ratzinger. Ah, o Ratzinger! Na altura em que criaram um teste para os estrangeiros que pediam a nacionalidade alemã, um político dos Verdes comentou que, na parte das questões sobre a homossexualidade, o papa alemão havia de chumbar redondamente.
Tragicamente, no dia de Natal, terroristas da extrema-direita alemã deitaram fogo à casa de uma família paquistanesa e escreveram na parede "estrangeiros, rua!".
Uma pessoa fica logo com vontade de perguntar ao Merz se ficou contente com este belo exemplo de espírito natalício da cultura dominante alemã.
A exigência de ter um pinheirinho atormenta-me muito: porque quero meter os papéis para me tornar alemã, mas por convicção ambientalista já não compramos pinheirinhos de Natal há alguns anos.
É o que dá o Joachim ir embrulhar-se com uma moça do sul, "enfraquecer o sangue" (acho que era essa a formulação dos nazis): assim se perde o respeitinho pela "cultura dominante".
Sempre posso argumentar que muitos amigos nossos, e esses são "alemães como deve-de-ser", também deixaram de comprar os pinheirinhos no Natal. Uns usam uma árvore estilizada em metal, outros têm uma árvore estilizada feita com paus apanhados na praia, trazidos pelo mar, outros põem enfeites de Natal numa daquelas plantas gigantes que se vendem na IKEA, enfim: tudo, menos comprar um pinheirinho de Natal. Pobre Alemanha! Por este andar, um dia destes ainda começam a rever a orgia dos presentes. (Ai, espera!) (Se calhar é melhor não revelar tudo de uma vez. Deixo para outro post a história dos presentes de Natal reduzidos a um por pessoa, e sorteados no meio de muita risota. E deixo para um terceiro post a revelação escandalosa de termos ido para a Volskbühne rir e dançar com o Wladimir Kaminer a seguir ao jantar de consoada, em vez de termos ficado em casa a sortear presentes.) (Os funcionários da minha autarquia berlinense que não saibam de nada disto! Já estou a ver a minha nacionalidade alemã por um canudo...)
Como se não bastasse, dei-me conta de que, na época de Natal, as pessoas na padaria e na rua me desejaram "Boas Festas", em vez de "Feliz Natal". Mas no próprio dia 25, quando andava a passear o Fox, um casal alemão reparou no cãozito e desejou-lhe (a ele!) Feliz Natal. Eu levei um "olá", e já fui com sorte. Confesso que tive vontade de ir fazer queixinha ao Merz. Mas duvido que ele fosse dar um raspanete àquele casal. O Merz gosta de mostrar músculo, mas é só quando o caso envolve estrangeiros. Ainda era capaz de me mandar a mim voltar para a minha terra se não estou contente com o modo como alguns alemães reinterpretam a cultura dominante a que têm direito quando o objectivo é erguer muros entre si e os outros.
No dia seguinte, comentei o sucedido com uma vizinha, que não reparou na ironia da minha história e desatou a afirmar, combativa, que deseja "Feliz Natal" a todos, mesmo àqueles que ela bem sabe que são muçulmanos. Porque é o meu país, dizia ela, são os hábitos do meu país! Era o que faltava termos de ajustar aos de fora as frases típicas da época!
Fiquei a pensar que tinha a sua graça eu dar os parabéns aos outros no dia em que faço anos. Ou aos adeptos do Porto quando o Benfica ganha o campeonato. Ou desejar um bom 5 de Outubro aos monárquicos, no dia 1 de Dezembro dizer a um vizinho espanhol "Este es un día que da gusto, ¿verdad?"
Eu cá, sou mais pragmática. Pelo andar da carruagem, quem vai pagar a minha reforma, daqui a uns anitos, pode bem ser descendente de turcos, sírios, afegãos, iraquianos. Dos paquistaneses a quem incendiaram a casa no dia de Natal. Mais me vale ir treinando o "Boas Festas" - e demais formas de comunicação pacífica com as pessoas que partilham comigo este continente e o mantêm viável. Com as pessoas, melhor dizendo, que mostram pelo seu exemplo de vida que é possível vivermos em boa paz uns com os outros.
E nem sequer estou a inventar nada, está escrito há dois mil anos: "Paz na terra às pessoas de boa vontade."
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