01 novembro 2022

trick or treat

 


Dantes, o Halloween era sempre a altura do ano que passávamos com amigos franceses nos Alpes: quatro dias à volta de La Toussaint. Mas a vida dá muitas voltas, e uma inacreditável sucessão de tragédias suspendeu esta nossa tradição. Passei a estar em Berlim no dia do Halloween.

No ano passado, desliguei a campainha e fiz-me de morta. Este ano, resolvi ser preguiçosa, e uni-me a eles já que não os posso vencer. Arranjei a minha melhor cara de bruxa, enchi uns sacos com doces, e pus-me à espera dos miúdos da rua que quisessem passar por aqui.

A campainha tocou. Abri a porta pronta para lhes pregar um susto, e quem se assustou fui eu. Eram mais de vinte crianças, mais as mães e os pais, todos com um ar muito alegre e esperançado. Atrapalhei-me, deixei cair o gancho da mão, que só me atrapalhava, resmunguei o que pude sempre a segurar nos dentes para que não me caíssem, e eles lá se serviram. Um miúdo, amoroso, "posso levar também um para a minha irmã?", uma vampirazinha "tem cuidado que ainda te sugo o sangue todo!"

Serviram-se, agradeceram, continuaram pela rua adiante. Nem tive tempo de recompor o gancho da mão, já vinham os próximos. E mais, e mais, e mais.

Três miúdas estavam realmente assustadoras. Muito pálidas e esgrouviadas, uma delas trazia a cabeça de uma boneca enfiada num pau, com a cara cheia de desenhos estranhos. Disseram em coro um poema de Halloween, serviram-se, disseram mais um poema de agradecimento, e lá foram também. Devia ter feito uma fotografia, ou um filme, porque eram mesmo especiais.

Na porta ao lado, a vizinha também tinha doces. Estava vestida à paisana, mas tinha uma abóbora e uma vela como sinal de que entrava na brincadeira. Num intervalo entre bandos, apareceu outra vizinha que estava a passear o cão, e ficámos as três à conversa. Eu, que aterrara ontem no Halloween da minha rua sem saber no que estava metida, comecei a falar da Belvedere Street em San Francisco, das coisas fantásticas que aqueles vizinhos inventavam para criar uma atmosfera fantasmagórica na rua inteira. "Havíamos de fazer algo semelhante!", dizia eu, toda entusiasmada. A vizinha com o cão só sorria, "Sim, sim, boa ideia..."

As crianças não paravam. Parecia que nasciam no bairro como cogumelos no outono. E um pai de um dos grupos explicou-nos porquê: em Mitte já consta que esta rua é muito boa para vir fazer o Trick or Treat.

Os doces que eu tinha comprado acabaram ao fim de meia hora. Fechei o estaminé, e fui espreitar o dos vizinhos. Descobri que a vizinha do cão, aquela que só sorria quando eu falava da Belvedere Street, tinha um cenário fabuloso no seu jardim. E o vizinho do lado também. E outro, mais à frente, acendera uma fogueira. Quer dizer: para sermos a Belvedere Street, só faltava eu!

No próximo ano, vão ver. Hehehehe.

Por fim, quando chegou a hora de os fantasmas, os vampiros, as bruxas e os esqueletos irem para a cama, nós reunimo-nos à volta da fogueira e lá ficamos a cantar e a dançar e a comer e a beber e a rir e a conversar...

Viva a vida!









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