12 junho 2022

"amartagens"

Porque me fez rir, e também pensar, partilho este texto do Fernando Gomes na Enciclopédia Ilustrada:


AMARTAGENS
Há pouco mais de um ano, Marte recebeu a visita do 'rover' Perseverance, enviado pela NASA para estudar variados aspectos do planeta vermelho. Na altura, uma das coisas que mais confusão me fizeram foi a ideia passada por muita gente, incluindo alguma comunicação social, de que aquela era uma missão inédita. Acontece que já antes tinham aterrado em solo marciano veículos com capacidade de se deslocarem para analisar o planeta e fotografar a sua superfície. A saber:
Em 1976, as missões Viking 1 e Viking 2 poisaram dois módulos em diferentes pontos de Marte. Durante seis anos, ambos fizeram experiências biológicas, monitorizaram o clima e enviaram 4500 imagens da superfície.
Em 1997, a Mars Pathfinder poisou no planeta vermelho com os ‘rovers’ Sojourner. Estes analisaram quimicamente rochas e estudaram o clima durante os 83 dias que durou a missão. Foram enviadas mais de 16 000 imagens.
Os veículos Spirit (Mars Exploration Rover A) e Opportunity (Mars Exploration Rover B ) chegaram a solo marciano em Janeiro de 2004. O primeiro percorreu pouco mais de 7 km até 2010. O segundo percorreu mais de 45 km até 2018, sempre a recolher informações e a enviá-las à NASA.
O ‘rover’ Curiosity, semelhante aos Spirit e Opportunity, poisou em Marte em Agosto de 2012. A missão está activa e continua a estudar o clima, a investigar a possibilidade da existência de vida e a compilar dados para o envio de uma missão tripulada.
Quanto a isto estamos conversados. Agora vamos à língua. No primeiro parágrafo, usei o verbo 'aterrar’ referindo-me aos poisos em Marte. Ora, muitos acham que ‘aterrar’ só se usa na Terra: se na Lua é ‘alunar’, em Marte deverá ser ‘amartar’ (https://dicionario.priberam.org/amartar).
Quando a Lua for habitada, imagino que os defensores deste absurdo, parente do disparatado ‘alunar’, aceitem um texto como «Um lunáqueo morreu após cair de um lunaço, estatelando-se no piso lúneo. Foi enlunado num luneno próximo. Amigos afirmam que era um indivíduo muito lua-a-lua». Em Marte, será «Um martáqueo morreu após cair de um martaço, estatelando-se no piso márteo. Foi enmartado num marteno próximo. Amigos afirmam que era um indivíduo muito marte-a-marte».
Então não salta à vista que ‘aterrar’ se relaciona com o tipo de superfície e não com o nome do planeta, do mesmo modo que se ‘amara’ quando se poisa na água, independentemente de ser mar, oceano, rio ou lago? Nem quero pensar no que se proporá quando enviarem sondas para estudar Júpiter ou Neptuno.
O mais curioso é os defensores das ‘amartagens’ não ficarem chocados quando embarcam não apenas em barcos, mas também em comboios e aviões. O que esperam para exigir 'encomboiar' e 'enavionar'? E, já agora, porque não 'entontiçar' quando embarcam em tontices? Fica a dica.


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