19 março 2022

Wladimir Kaminer - sobre a máquina de propaganda noticiosa russa


Traduzo da página de facebook do Wladimir Kaminer: Nos media russos não há lugar para vozes críticas ou de protesto, todas as estações independentes, as revistas, os portais de comunicação foram encerrados, a fina flor do jornalismo russo foi expulsa do país e espalhou-se por meio mundo. A população russa está à mercê da sua televisão de propaganda e esta televisão é uma arma afiada, um canhão poderoso que não poupa uma única cabeça. Esta guerra não é travada apenas com tanques e mísseis, é também uma guerra de imagens, e na programação televisiva são definidas frentes claras. Vejo isso todos os dias na casa da minha mãe, que vive em Berlim há trinta anos, e, tal como milhões de compatriotas russos na Alemanha, só vê televisão russa, apesar de falar alemão e ter acesso à televisão deste país. Da última vez que ela viu televisão alemã, foi quando acidentalmente se sentou em cima do comando da tv. É espantoso como funciona este canhão de propaganda. A minha mãe nunca assistiria a um talk show político na sua vida, só gosta de filmes antigos a preto e branco da sua juventude e dos novos policiais russos. Estes são transmitidos em canais especiais, sem anúncios publicitários! Em vez de anúncios publicitários, os filmes são interrompidos a cada dez minutos para "intervalos para notícias". Mostra-se como os ucranianos se matam mutuamente e bombardeiam jardins-de-infância, como os americanos produzem em laboratórios biológicos vírus especiais que só matam russos porque os ianques nos querem exterminar, e como o heróico exército russo sob a liderança do presidente tenta salvar o mundo dos malvados ucranianos e de uma guerra nuclear. O thriller é interrompido no momento mais importante. Se quiseres saber quem é o assassino, tens de continuar em frente à televisão. Desligar o som não ajuda. Algumas imagens, algumas linhas - e a carga de desinformação já atingiu o seu alvo.

Recentemente, abriu-se uma brecha na imagem da cobertura noticiosa russa. Durante o noticiário da noite, a redactora pôs-se em frente à câmara a exibir um cartaz contra a guerra e gritou: "não acreditem nos noticiários, estão a mentir-vos!" No dia seguinte houve uma onda de pedidos de demissão na televisão estatal russa, redactores e apresentadores deixaram os seus lugares. Mas por que motivo aceitaram sequer fazer esses trabalhos? Durante muito tempo, a resposta inteligente a esta pergunta era: "por uma casinha na Toscana". Nos vinte anos de domínio do Putin, estes sonhos tornaram-se realidade em forma de urbanismo de luxo junto ao Mediterrâneo; não há uma única aldeia na Toscana onde os russos leais ao regime não tenham construído. De um só golpe, Putin transformou todas as maravilhosas casas na Toscana em abóboras. Muitos dos ajudantes do regime perderam completamente o sentido para a sua vida.

2 comentários:

jj.amarante disse...

E como explicam que tantas lojas de marcas ocidentais estejam a fechar? Os fechos não serão notícia na TV mas os habitantes das cidades constatam-nos.

Helena Araújo disse...

Ora, ora, ora - no nosso planeta plano, é sempre fácil arranjar uma explicação seja para o que for.
No caso até eu sou capaz de imaginar uma: as empresas capitalistas estão a retirar-se porque a NATO quer invadir a Rússia e já as avisou que é melhor não apostarem mais nesse país...