28 março 2022

'bora lá pôr as coisas em contexto e tentar entender o outro lado

1.

Quem mandou o Luaty Beirão pôr-se a ler em público livros sobre democracia e liberdade? Era óbvio que o governo angolano não toleraria tal provocação, se sentiria ameaçado por ela, e teria de reagir.

Claro que é terrível haver presos políticos, mas realmente não havia necessidade de o Luaty Beirão fazer o jogo dos EUA, que anda a cobiçar o petróleo e o gás angolanos, para impedir a sua exportação para a China, e está disposto a fazer o que for preciso para poder dominar essa região. Leiam os relatórios da Chatham House, está lá quase tudo.


2.

Quem mandou o Rafael Marques pôr-se a escrever sobre corrupção e tortura em Angola? Provocou o regime, criou-lhe uma insegurança insuportável e inaceitável, agora queixa-se de quê? E se alguém duvida que isto é manobra do Portugal colonialista e dos EUA para desestabilizar Angola, ou é ingénuo ou está de má-fé. Q.e.d. Mas, naturalmente, está mal prender pessoas naquelas condições, mesmo se andaram a difamar políticos e outros poderosos. No entanto, convém não esquecer que eles podem ter os seus defeitos, mas tentam defender Angola da cobiça dos EUA e do velho colonialismo, e portanto estão no seu direito.


3.

Todos concordamos que um governo não pode perseguir ninguém devido às suas opções políticas ou à sua orientação sexual. Mas convenhamos que no Brasil de Bolsonaro, que se quer conservador, de direita e macho como Deus manda, tornar públicas posições políticas e orientações sexuais que ameaçam os interesses do país é provocar desnecessariamente o poder e levá-lo a cometer actos reprováveis, que nunca cometeria se as pessoas percebessem qual é o seu lugar naquele contexto político e aceitassem que há linhas vermelhas que têm de respeitar. Se aceitassem, não era preciso matá-las.


4.

O muro de Berlim foi uma tragédia terrível. Mas convém abrir os olhos e reconhecer que a culpa foi toda do Ocidente, que andou durante anos a assediar os cidadãos da RDA para se instalarem na RFA e os apaparicava com todos os luxos, apenas com o intuito de tornar a RDA um país inviável. Depois de, numa dúzia de anos, ter perdido cerca de 15% da população - e logo os mais necessários à reconstrução do país depois da guerra: os jovens, os trabalhadores com excelente formação profissional, os médicos, os engenheiros - devido a este pérfido estratagema do capitalismo, os governantes da RDA não tiveram outro remédio senão fazer um muro para impedir esta sangria que, a prazo, a ia condenar à morte. Mas disto é que ninguém fala!


5.

Nos anos trinta do século passado, até nos confins de Portugal crianças analfabetas sabiam que a Rússia andava a espalhar os seus males pelo mundo. A aventura comunista já tinha rebentado toda a antiga ordem social e económica russa, já tinha assassinado muitos milhares de intelectuais cujas ideias eram contrárias à nova ordem, já tinha feito morrer à fome vários milhões de ucranianos. Como se isso não bastasse, Estaline já andava a deitar um olhinho cobiçoso à Polónia e sabe-se lá a que mais países. Num golpe de mestre, para encontrar uma solução pacífica para aquela tensão entre impérios, Hitler concedeu-lhe metade do país. Mas nem assim Estaline se deu por satisfeito, e a verdade é que a URSS constituía uma ameaça e uma provocação permanente ao espaço geopolítico alemão e austríaco, herdeiro de antigos impérios que incluíam regiões às quais Estaline queria deitar a unha. Lembrar ainda que a URSS estava a tentar desestabilizar os países da Europa central dando apoio a movimentos e partidos políticos comunistas que eram uma autêntica quinta coluna soviética no coração do Ocidente. A segunda guerra mundial foi uma tragédia horrorosa, mas a culpa é da URSS, que não se coibia de tentar espalhar o comunismo pelo mundo. Tivessem eles ficado quietinhos no seu canto, sem tentarem mudar também os países vizinhos, e nada daquilo se teria passado.


Espero que se tenham sentido tão incomodados a ler estas linhas como me custou a mim escrevê-las. E que este exercício permita perceber melhor porque me recuso a pôr em contexto e a tentar entender os motivos do Putin para bombardear cidades ucranianas. Antes de ele invadir a Ucrânia, podíamos debater sobre os seus motivos. Mas ao dar início a esta invasão criminosa perdeu toda a razão que podia ter tido.

1 comentário:

Fernando Cordeiro disse...

Temo que ainda subsistam pessoas que não compreendem. E que, deixaram de ter a minha complacência. Há limites.