31 outubro 2021

"fantasia"


A minha mãe era a rainha das lendas, e o seu reino de fantasia era inteiramente verdade para nós. Tínhamos moiras encantadas no fundo do jardim, escondidas debaixo das pedras mais bonitas. Nos canteiros havia fadas. Havia fadas nos canteiros, de certeza. Mas só nos de certas flores - os lírios, as campainhas da Primavera.

Se algum de nós revelava um jeito especial para alguma coisa, ou um traço de carácter mais louvável, era porque tínhamos sido fadados à nascença. Fadas boas à volta do nosso berço, e o anjo da guarda que olhava por nós dia e noite: o extraordinário poder securizante da #fantasia.

Ah, o poder securizante da fantasia! Durante os bombardeamentos na sua cidade, Estugarda, a família do meu sogro refugiava-se com os vizinhos na cave. Apinhados uns em cima dos outros, sentados no chão frio, às escuras, ouvindo o estrondo horroroso de bombas a rebentar sobre as casas e o som dos incêndios, a mãe do meu sogro dizia, muito resoluta: "não nos vai acontecer nada! a nós não vai acontecer nada!" O meu sogro tinha cinco anos, e acreditava.

Essa mulher, a mãe do meu sogro, era uma força da natureza. Passados uns tempos mandaram os filhos para familiares que viviam numa aldeia mais segura. O pequenito telefonou à mãe, a chorar morto de saudades. Ela - na cidade alvo permanente de bombas, com o marido a entrar nas casas a arder para desligar o gás e evitar estragos ainda maiores (foi ele quem salvou o palácio velho da cidade, ando-me a esquecer de contar aos meus filhos esta grande glória da família!) - respondeu-lhe: "se me voltas a ligar com essa choradeira, vou aí dar-te um bom par de palmadas no rabo!"



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