06 outubro 2021

dia de São Francisco de Assis (2)

 


Na altura em que a Christina fez Erasmus em Perugia, resolvemos ir passar o Natal com ela. O grupinho do costume: nós e a nossa comadre, mais a respectiva filharada. No dia de Natal estávamos em Assis, e fomos à missa na basílica de Santa Clara. Confesso que fiquei um bocado decepcionada com o despojamento da igreja e da celebração. E a minha comadre mais ainda - ela ia a contar com uma missa de Natal festiva como as que se fazem na Alemanha, com orquestra, coro e solistas e tudo o que os Bachs e os Mozarts da quadra têm de melhor para oferecer. Mas não se perdeu tudo: enquanto o padre aviava a missa à maneira daquelas celebrações apressadas nas manhãs dos dias úteis, eu olhava para a cruz por trás dele. Na igreja enorme e de paredes brancas nuas, aquela cruz oferecia-se sem ruído aos meus olhos. Só muito mais tarde me dei conta de que tinha passado uma hora a olhar para a famosa cruz de São Damião. Ou seja: mais uma vez se verifica que quem não sabe é como quem não vê. Mas - acrescento eu - se tiver abertura e curiosidade é capaz de sentir. Que eu bem sentia que aquela cruz era mais que uma fantástica peça de museu.

Conta a lenda que, numa altura em que #Francisco_de_Assis se encontrava numa crise espiritual, entrou na igreja de São Damião, que se encontrava em muito mau estado, e ao contemplar a cruz que lá havia ouviu um apelo vindo desta: "Francisco, vai e repara minha casa que está em ruínas". E ele logo ali se deslargou a arranjar apoios para reconstruir aquela igreja, e já que estava com a mão na massa aproveitou e fez também obras bem necessárias na Igreja Católica, que andava bastante distraída do essencial da mensagem de Jesus Cristo.
Podia ter corrido mal, que os princípes, os duques e os barões da Igreja gostavam pouco de experiências reformadoras, os cátaros que o digam. Mas a mensagem de Francisco de Assis tinha a força invencível do amor e da justiça. Os poderosos da Igreja lá terão pensado “se não consegues vencê-los, alia-te a eles”, e integraram-no no sistema. Incluindo canonização relâmpago, e construção de basílica com o seu nome, e tudo. E assim se mantiveram no poder mais uns 800 anitos.

Lá na sua linda basílica, neste nosso triste século, o São Francisco deve estar às voltas na tumba como um parafuso numa aparafusadora sem fio: a gritante desigualdade na distribuição da riqueza, a indiferença em relação aos pobres/sem-abrigo/refugiados que morrem ou vegetam às portas dos ricos, a indiferença pelas condições de tortura a que sujeitamos os animais que comemos, o aquecimento global - tudo no nosso mundo é sinal de uma obstinada surdez à sua mensagem de coexistência igualitária e respeito pela Criação.



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