Partilho este post do Paulo Santos, no facebook, porque trata de um tema que me é muito caro: o poder que cada um de nós tem para mudar alguma coisa.
Recentemente reli Se Isto é Um Homem, de Primo Levi, o livro onde o célebre escritor italiano descreve a sua passagem por Auschwitz. Tinha sublinhado uma passagem que me emocionou muito na primeira leitura que fiz do livro e que continua a tocar-me profundamente. Um italiano não-judeu trabalhava para os alemães num projeto industrial que recorria ao trabalho dos prisioneiros e Levi recorda-o desta forma:
“(…) um operário civil italiano trouxe-me um bocado de pão e os restos do seu rancho, todos os dias, durante seis meses; ofereceu-me uma camisola sua cheia de remendos; escreveu por mim um postal para a Itália e fez-me chegar a sua resposta. Por tudo isto, não pediu nem aceitou alguma compensação, porque era bom e simples, e não achava que o bem devesse fazer-se para obter compensações.
(…) creio que devo justamente a Lorenzo o facto de estar vivo hoje; não tanto pela ajuda material, quanto por me ter constantemente lembrado com a sua presença, com a sua maneira tão linear e fácil de ser bom, que ainda existia um mundo justo para além do nosso, algo e alguém ainda puro e incontaminado, não corrupto e não selvagem, alheio ao ódio e ao medo; algo que mal se pode definir, uma remota possibilidade de bem, pela qual, porém, valia a pena conservar-se.
(…) Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada (…). Graças a Lorenzo, aconteceu-me não esquecer que também eu era um homem.”
Falta acrescentar a este post e ao texto do Primo Levi uma informação essencial para completar o retrato desse operário: os nazis proibiam que se ajudasse os prisioneiros. Dar um pedaço de pão a um prisioneiro era algo muito arriscado.
Neste filme (aqui) uma testemunha conta que em 1945, quando tinha 12 anos, o caminho para a escola passava ao lado de um campo de concentração. Movida pela curiosidade, espreitou por um buraco na vedação, e deu-se conta da fome das pessoas que estavam do outro lado. Cheia de compaixão, atirou-lhes por cima da cerca o pão que levava para comer na escola, e no momento seguinte estava a ser agarrada por um guarda do campo, que lhe ralhava por ter deitado comida fora. "Não deitei fora, dei-a a estas pessoas que têm fome", respondeu ela. O guarda telefonou ao director da escola e mandou chamar a mãe. Os nazis costumavam castigar famílias inteiras pelos actos de um dos seus membros. Chegavam a tirar as crianças aos pais, para serem criadas por famílias nazis. Esta mãe escapou a um pesado castigo porque tiveram pena dela, que entretanto era viúva (presumo que o pai tenha morrido na guerra).
Tantos anos depois, esta mulher ainda se lembra bem do sarilho em que se meteu, tanto com o director da escola como com a própria mãe, por ter dado a sua merenda aos famintos do campo de concentração.
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