Digo #Palestina e ocorre-me imediatamente uma das minhas anedotas preferidas de humor judaico - como é possível dizer tanto e tão sério em tão poucas palavras?
Em 1948, um barco dirigia-se da Europa a Israel, apinhado de judeus que tinham conseguido escapar ao Holocausto. Quando avistaram terra, todos eles começaram a gritar de alegria. Todos, menos um, que chorava e arrancava os cabelos.
- Porque é que choras, agora que vamos chegar finalmente à nossa terra?, perguntou-lhe um amigo.
- Ora, - lamentou-se ele - se era para os ingleses nos darem o que não era deles, preferia que nos tivessem dado a Suíça.
Penso que o mais lógico teria sido dar-lhes uma parte da Alemanha. No fim da II GM as fronteiras desta parte da Europa foram redesenhadas, e a Polónia recuperou regiões que eram alemãs há séculos. A partir de finais de 1944, 14 milhões de alemães foram obrigados a abandonar as suas casas e a avançar penosamente para oeste, levando consigo os poucos haveres que conseguiam carregar. Uns fugiam da guerra, outros foram expulsos (por exemplo, a minoria alemã que vivia na Checoslováquia), outros foram deslocados devido à redefinição das fronteiras. As imagens destes alemães maltrapilhos, caminhando em coluna, com filhos pequenos ao colo ou pela mão, são muito semelhantes às dos palestinianos na Nakba.
Num contexto de total convulsão e sujeição à vontade dos vencedores, não teria sido difícil reservar para os judeus um território tirado à Alemanha e à actual Polónia (cujas fronteiras, na altura, foram deslocadas para oeste). Um lugar seguro para os judeus europeus, no continente que já era o seu desde tempos imemoriais. O preço seria assim pago pelo país que imaginou e pôs em marcha a máquina do Holocausto.
Os refugiados alemães no fim da II GM passaram por um processo semelhante ao dos "retornados" portugueses. Ao fim de alguns anos já tinham casa, trabalho e uma vida normal na sua nova terra. Não foram metidos em campos de refugiados durante várias décadas, como aconteceu com os palestinianos.
O problema da #Palestina é antes de mais um problema de racismo e profunda indiferença pelo seu povo. A frase "uma terra sem povo para um povo sem terra" mostra dolorosamente a situação de invisibilidade dos palestinianos que viviam sob ocupação europeia. Os campos de refugiados nos países vizinhos mostram dolorosamente a indiferença com que são tratados pelo mundo árabe. Os aliados árabes não são propriamente amigos dos palestinianos - antes se servem deles para atacar Israel. Se os considerassem como seus, teriam feito o mesmo que a Alemanha fez com os sudetas e todos os outros refugiados, e o que Portugal fez com os angolanos e os moçambicanos brancos.
E esta é a maior tragédia dos palestinianos: além de terem perdido a sua terra, não têm amigos. Ciganos, de certo modo.
8 comentários:
Ciganos, de certo modo, ou judeus, até ao estabelecimento do Estado de Israel.
A sorte dos judeus (e também a desgraça, de certo modo) foi que a Diáspora Judaica tinha músculo suficiente (financeiro, intelectual) para iniciar o movimento sionista de retorno à Palestina.
E digo desgraça, porque sem dúvida que parte do sentimento anti-semita não se deve a nenhuma espécie de preconceito imemorial oriundo na Narrativa do Novo Testamento, mas somente ao ressentimento e à inveja pelas realizações e pelo génio dos judeus. Hitler era claramente mais um nulo que os temia e invejava.
Mas parece-me, Helena, que também de certo modo, a tragédia dos ciganos é maior que a dos palestinianos. Estes últimos podem ser expulsos da sua terra por uma potência cujo comportamento se pode comparar ao das potências coloniais europeias na primeira metade do século XX, ou ao da África do Sul antes do fim do Apartheid, mas pelo menos sabem onde a sua pátria fica.
Os ciganos, nómadas por escolha que são, não sabem mesmo de onde vêm. Resta-nos aceitá-los como concidadãos que são (o que ainda não sucede, mas que a suceder vai seguramente implicar uma perda de parte da sua cultura igualmente imemorial, porque a integração mesmo sem assimilação dá sempre origem a tal), até porque não têm mesmo para onde ir...
Finalmente, uma vez ouvi alguém dizer (creio que judeu e alemão, como parece óbvio) que o único Estado Judaico que faria sentido seria um com capital em Berlim...
Absolutamente perfeito, este texto.
Obrigada, Clara.
Jaime, um Estado Judaico com capital em Berlim? Nem tanto ao mar, nem tanto ao mar... ;)
(De repente percebi um pouco melhor o sofrimento dos palestinianos)
Também já ouvi dizer que se os judeus tivessem permanecido ortodoxos, em vez de se misturarem com os outros ao ponto de nem ser possível distinguir uns dos outros, não teriam sido objecto de um ódio tamanho. Mas quando se misturaram começaram a ser concorrentes.
Um belíssimo texto histórico.:(
Seguramente, teriam sido sujeitos ao mesmo desprezo votado aos ciganos, que são de igual modo ferozmente defensores da singularidade da sua cultura, mas não à fúria devida aos concorrentes que nos batem no nosso próprio jogo...
E de facto, a defesa da singularidade da cultura judaica feita pelos judeus tem dias. Quando falamos nos legados judaico-cristão e greco-romano, o judaísmo absorveu de modo igual o segundo, não se limitou apenas a influenciar o mundo europeu durante o domínio romano e após a queda de Roma...
Eu adoraria saber o que pensariam estas pessoas todas que defendem o sionismo se, de repente,um qualquer cidadão de um país qualquer ou uma organização internacional lhes viesse dizer que o Povo X ou Y tinha o direito a uma fatia de Portugal porque os seus ascendentes eram oriundos daqui e aqui tinham tido um estado - por exemplo, os descendentes de al andalus que aqui estiveram muito antes de Portugal o ser mas outros povos,ainda mais antigos - e se esses novos cidadãos entrassem, reclamassem a fatia a que tinham direito dado pelos outros, e expulsassem de suas casas os que aqui viviam até aí. E depois, não contentes,começassem a achar que a fatia recebida não era suficiente e desatassem a fazer crescer como cogumelos colonatos no restante território empurrando os portugueses para um cantinho cada vez menor.Gostava de os ver defender... E achar que tínhamos todos de não retaliar,nada fazer porque de outra forma éramos terroristas...
Clara,
pois...
O Amos Oz põe a questão desta maneira:
"O oposto de guerra não é amor, é paz. No Ocidente, é comum a fantasia sentimental de que todo conflito no mundo é em essência apenas um mal-entendido. Bastaria um pouco de terapia de grupo para resolver tudo e deixar todos felizes. Mas não há mal-entendido algum entre judeus israelenses e árabes palestinos. Ambos querem ficar nesta terra e têm razões muito fortes para isso. Não é um mal-entendido, é uma tragédia. A saída é assumir compromissos e fazer concessões, e isso será doloroso para ambos os lados. Mas não há alternativa."
Estou de acordo com ele - escritor que sempre admirei. Mas não inteiramente.Agora,sim.Não há alternativa depois dos factos consumados.Só que não acredito que a solução venha a acontecer.
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