29 maio 2021

Isadora Duncan - a minha vizinha


Foto: Paul Berger

Não me chamaria Helena Araújo se conseguisse escrever um post sobre a Isadora Duncan sem falar de mim

(sim, eu sei, o heliocentrismo e tal, mas isso foi antes de a terra poder ser plana, portanto deslarguem-me e mais ao meu umbigo, que os tempos agora estão bons é para nós)

pelo que o melhor é ir directa ao assunto: durante alguns anos, a Isadora Duncan morou no meu bairro. Se é que se pode chamar "morar" a alguém que armou aqui a sua tenda, mas corria o mundo a dançar para pagar as despesas. Em todo o caso: chamo-lhe vizinha, e o meu umbigo sente-se importante e de bem com a vida.

Em 1904, juntamente com a sua irmã Elizabeth, Isadora Duncan fundou em Berlim-Grunewald um internato gratuito, onde vinte meninas entre os 4 e os 12 anos recebiam instrução e aulas de dança. Isadora entendia que a sensibilização para a dança devia acontecer desde a mais tenra idade ("Let us first teach little children to breathe, to vibrate, to feel, and to become one with the general harmony and movement"), e decidiu oferecer essa possibilidade a crianças desvalidas. Como acreditava que todas as pessoas eram capazes de dançar, bastando despertar nelas essa sensibilidade, não escolhia as alunas em função do seu talento para a dança. Mais importante era a pobreza das alunas. Tendo em conta a sua própria história, Isadora e Elisabeth queriam dar uma oportunidade a meninas filhas de mulheres trabalhadoras e sem um pai que se responsabilizasse pelo bem estar da família.

A ideia central da escola era desenvolver equilibradamente corpo, alma e espírito: "Let us first produce a beautiful human being." As meninas combinavam as aulas de várias disciplinas (história, literatura, matemática, ciências, desenho, canto, línguas e música) com aulas de dança - descalças, por vezes no jardim - e com longos passeios na floresta ou aos lagos da vizinhança.
(Já disse que este post é sobre mim? Temos em conjunto, essas meninas e eu, os lagos que aqui profusamente partilho.)

Teria Isadora Duncan razão? Talvez - imagino eu -, se tivesse tido tempo para aquelas alunas, talvez - sonho eu - conseguisse transmitir-lhes a vida que dançava dentro dela. Mas como andava de palco em palco a ganhar o dinheiro necessário para aquele projecto, era a irmã - muito mais disciplinada, sem o fogo interior de Isadora - quem cuidava das meninas.

Ao fim de alguns anos, a escola ficou inteiramente nas mãos de Elisabeth, e Isadora seguiu caminho. Dificuldades económicas e a primeira guerra mundial (que teve como consequência inúmeras dificuldades para os residentes na Alemanha que eram nacionais de um país subitamente inimigo) obrigaram a mudanças várias. Elisabeth levava consigo de cidade em cidade e de país em país as meninas que não tinham uma família que olhasse por elas.

Algumas fizeram carreira na dança, um grupo delas viria a ser chamado "Isadorables". Muitas das alunas criaram noutros países as suas próprias escolas de dança.
A casa onde nasceu este internato - "um lugar para a alegria de viver", como o imaginou Isadora - fascina-me. Já a fotografei inúmeras vezes, mas sempre em estilo "bate e foge", porque temo que os seus habitantes não gostem nada deste êxito mediático. Partilho algumas imagens da casa, e também do bairro onde as meninas passeavam para se tornarem "a beautiful human being".
















4 comentários:

LuísM Castanheira disse...

A minha amiga Graça Pires publicou um livro de poemas, dedicado a esta extraordinária bailarina.
Da saga desta obra, ela tem publicado no seu blog, abaixo, os poemas incluídos.
Como é uma Poeta maior, gostava que visitasse em:
http://ortografiadoolhar.blogspot.com/2021/05/memorias-de-isadora-ix.html?m=1
Este documento é deveras interessante e as fotos são oportunas.
Abraço

Jaime Santos disse...

Não vale, Einstein habitou em Wilmersdorf, aparentemente não longe do sítio onde eu próprio vivi quando vivia em Berlim, mas numa rua que aparentemente já não existe hoje (imagino que a geografia de Berlim se tenha alterado após a II Guerra Mundial).

Ainda andei por lá à procura de inspiração para o meu próprio trabalho, mas népias ;) ...

Helena Araújo disse...

Era a Wittelsbacher Straße 13?

Jaime Santos disse...

Sim, exacto, já não me lembrava bem do endereço e fui verificar... Mas estava errado, a rua ainda existe, a casa é que penso que não...