04 abril 2021

"barrela"


No Minho da minha avó, os dias que antecediam o domingo de Páscoa eram de grande azáfama: #barrela geral das casas, paredes lavadas com lixívia para tirar as manchas de bolor que o inverno lá juntara, soalho esfregado com sabão amarelo (como todas as semanas ao sábado) e encerado (por causa da visita do Senhor).

Dividida entre o registo oral das terras onde crescia e o português televisivo que me chegava de Lisboa, perguntava-me se o correcto seria barrela ou varrela (por vir de varrer).
Também o forno de lenha trabalhava sem descanso a fazer os bolos que iriam para o centro da mesa ajoujada de petiscos.
E era assim em todas as casas da aldeia.

No domingo de Páscoa os caminhos - também eles impecavelmente limpos - cobriam-se de flores para honrar a passagem da cruz, que ia de casa em casa. Na casa da minha avó havia uma sala nobre, a sala do Senhor, onde a cruz nos encontrava em pé, reverentes.

Tudo fazia sentido: limpar as casas e os caminhos para a passagem simbólica do ressuscitado. Renovação.

E depois: visitar todos os amigos, e em todas as casas comer do tanto e tão bom que queriam partilhar com todos.

(Será que existe um "síndroma da mesa cheia"? Eu, que sempre gostei tanto de comer todos aqueles petiscos, chegava à Páscoa e quase não comia nenhum. Tal era a abastança, que não conseguia decidir.)
(As nossas abelhas estão neste momento em síndrome de mesa cheia. O damasqueiro floriu, o sol apareceu, e elas andam maluquinhas, incapazes de decidir em que flor querem parar.)

A verdade é que as minhas Páscoas actuais - desde que vim para a Alemanha - não são bem Páscoa. Falta-lhes esta vivência comunitária, esta alegria, este brio de limpar a casa para receber a cruz.


1 comentário:

Sandra C. disse...

Eu estou em Lisboa (sou de cá), mas passo várias vezes a Páscoa perto de Fafe e sinto falta de tudo isso... Nunca é a mesma coisa... Dias melhores virão!!

Beijos e abraços.
Sandra C.
Bluestrass