16 fevereiro 2021

click-click-click

Hesito entre falar disto ou passar adiante fazendo de conta que não vi. É uma decisão difícil, porque falar equivale a dar clicks aos chalupas de agenda oportunista, mas calar é - como diz o povo - consentir. 

E lá terei de dar dar um gostinho à Joana Amaral Dias, que pelos vistos levou muito a sério aquele chavão do marketing sobre não haver má publicidade, porque o importante é que se fale do produto.
O que eu gostava de entender é qual é o produto que a Joana Amaral Dias quer vender, e o que traz de positivo para os "clientes".

Ora então:

1. O escandaloso caso da manipulação governamental dos cientistas alemães:

Uma amiga mostrou-me este post, que me surpreendeu muito: então a Alemanha esta a arder e só eu é que não reparei? Fiz uma pesquisa pela internet, e descobri que os jornais de referência também não repararam. Ai, a falta que uma Joana Amaral Dias faz na Alemanha!...

A notícia original, publicada no jornal Welt, que pertence à Springer Verlag (aviso a quem não sabe: quando a fonte é "Welt", "Bild" ou, de um modo geral, "Springer Verlag", desconfiem) adianta no título que "O Ministério do Interior pressionou cientistas para justificar as medidas de luta contra a covid" (aqui, em alemão). 

Os factos (retirados deste artigo do FAZ, em alemão): o ministro do Interior, que é também responsável por manter a estabilidade no país, já em Janeiro tinha dado indicações para o ministério estar muito atento ao problema da covid. Em meados de Fevereiro mandou observar de muito perto o que estava a acontecer nos outros países e tirar ilações sobre os perigos que a Alemanha corria. A 10 de Março, depois de  receber um trabalho sobre as implicações económicas da crise, pediu ao seu secretário de Estado Markus Kerber que preparasse um documento estratégico com uma previsão do Worst Case Scenario. Markus Kerber pediu a um grupo de cerca de 10 investigadores que traçassem um quadro de referência que permitisse justificar perante a população "medidas de natureza preventiva e repressiva". O grupo trabalhou intensamente durante três dias. O documento ficou pronto a 22 de Março, o domingo em que a chanceler e os ministros-presidentes dos Estados decidiram impor ao país um lockdown, e foi apresentado à chanceler no dia seguinte. Este não é o primeiro documento do género preparado pelo ministério do Interior da Alemanha. Já em 2012 tinha sido apresentado um trabalho sobre os riscos de uma pandemia SARS, no qual se dava muita importância à questão da comunicação e à necessidade de a população entender a razão das medidas impostas.
Este documento de 2020 estava escrito num tom demasiado dramático, pouco habitual em documentos do governo, e não suscitou grande interesse nos gabinetes políticos berlinenses. Foi entregue com reservas a alguns órgãos de comunicação social, que informaram sobre determinadas passagens, e pouco depois acabou por ser disponibilizado integralmente na internet (primeiro por uma organização que teve acesso ao documento, e depois pelo próprio Parlamento - aqui, em alemão).

A notícia do FAZ centrava-se na questão da comunicação: qual é o tom certo para informar sobre algo desta gravidade sem criar pânico na população? E terminava com questões que vou traduzir de seguida. Há aqui material suficiente para, fazendo uso de uma interpretação muito criativa, a Joana Amaral Dias publicar pelo menos dez posts do tipo "ai que grande escândalo, click-click-click estamos mesmo click-click-click mesmo click-click-click mesmo click-click-click prestes a chegar ao fim do mundo!" 


Dizia o FAZ (em 2.4.2020): No Ministério Federal do Interior e no Gabinete Federal de Imprensa sabe-se como é difícil explicar às pessoas que no dia 20 de Abril não vai haver o "Exit" que todos esperam. Ainda há margem para aumentar o tom na comunicação, com o objectivo de tornar claro qual é o perigo para as pessoas - e o documento oferece sugestões concretas. Mas o Governo Federal não quer trabalhar apenas com o medo. Por conseguinte, o Ministério Federal do Interior está a considerar uma nova narrativa, a partir das questões: Que tipo de sociedade queremos ser? Uma sociedade que protege os velhos e os fracos - ou uma sociedade em que só os mais fortes sobrevivem? Uma sociedade em que a ideia de solidariedade é popular - ou onde uma mentalidade de autoculpabilização é dominante?
O Governo Federal pode pôr essas questões na mesa, mas tem de trazer para o debate também as Igrejas, os sindicatos e outros actores da sociedade civil. Aparentemente, é este o plano do Ministério Federal do Interior
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Já imagino os posts da Joana Amaral Dias:
"O Governo alemão recrutou padres para fazerem lavagem ao cérebro da população alemã!"
"O Governo alemão manipulou sindicatos para impor as suas escolhas autoritárias e repressivas!"
"O Governo alemão recrutou actores da sociedade civil para o ajudarem a justificar a suspensão de direitos, liberdades e garantias!"

Wow, que escândalo! E: wow, quanto movimento na conta da Joana Amaral Dias!
click-click-click

   
2. O escandaloso caso do matemático que previu o que aconteceria se não fossem tomadas medidas, e falhou porque os números que previu não se verificaram, uma vez que foram tomadas medidas

Trago a imagem e o texto do Daniel Carrapa (no facebook):


"Atentemos neste caso extremo de chalupismo que protagoniza hoje a Joana Amaral Dias. Critica o matemático Carlos Antunes, responsável pelas previsões do Infarmed, por ter dito no dia 20 de janeiro que, no mês de fevereiro, Portugal estaria a enfrentar 17 mil casos diários, e afinal estamos nos 3 mil.


Relembremos que, no dia 20 de janeiro, registavam-se 14647 novos casos, número que atingiu o seu valor máximo no dia 28 de janeiro com 16432.

Relembremos que o país entrou em dever de confinamento obrigatório a 15 de janeiro, confinamento que seria reforçado uma semana depois com o anúncio de medidas coercivas e ainda com o fecho das escolas, a 21 de janeiro.

E que, mesmo assim, foi sempre a subir até àquele dia 28, onde praticamente já estávamos a bater à porta dos ditos 17 mil.

É assim fácil concluir que, se algum erro cometeu o matemático Carlos Antunes a 20 de janeiro, foi o de estar a ser demasiado brando nas suas previsões. E que foram os efeitos conjugados das várias medidas de confinamento que contribuíram para a redução de casos a que assistimos nas duas primeiras semanas de fevereiro.

É verdade que o confinamento é uma solução horrível, cheia de efeitos colaterais, que só faz sentido quando já tudo o resto correu mal. Mas a chalupa Joana Amaral Dias, que ainda ontem questionava a eficácia dos confinamentos, critica hoje um matemático por errar previsões por causa da eficácia dos confinamentos. É um caso verdadeiramente notável de alguém que consegue ser tão do contra que até consegue pensar completamente ao contrário.

Enfim, os chalupas andam aí, sempre à procura das suas verdades... "

Ao que diz o Daniel Carrapa acrescentaria apenas:click-click-click


3. Para a Joana Amaral Dias saber quem é amiga, ofereço-lhe mais uma oportunidade de clicks (à maneira da Springer Verlag, que lhe dá as maiores alegrias): 

Primeiro passo: escreve posts a criar confusão, angústia e insegurança. 
click-click-click
Segundo passo: escreve posts a criticar o estado de confusão, angústia e insegurança em que a população se encontra. 
click-click-click 
Terceiro passo: vai à CMTV acusar a internet de estar a criar um estado de confusão, angústia e insegurança. 
click-click-click
Quarto passo: volta ao seu mural de facebook, põe link para a entrevista na CMTV, e diz "o que é que o governo tem a dizer sobre isto, hã?"
click-click-click


6 comentários:

José Rosa disse...

Parabéns, Helena.
Sigo-a desde há alguns meses. No meu blogue, o seu, é o que mais é atualizado e para mim é uma delicia, ler as suas entradas.
Parabéns!
Quanto ao assunto desta sua entrada, só me apetece dizer:
- Coitada da joana amaral dias ... está muito bem na estação onde está ...

Helena Araújo disse...

Obrigada.
Vamo-nos lendo por aqui. :)

Quanto à JAD: é daquelas pessoas que (traduzindo literalmente uma expressão alemã) não se importam de "andar sobre cadáveres" para conseguirem atingir os seus objectivos.
É pena.

helena Andrade disse...

É sempre bom e esclarecedor vir aqui o que faço há muito. Obrigada

Jaime Santos disse...

A ex-bloquista Joana Amaral Dias, ex-Juntos Podemos, ex-Agir, ex-qualquer coisa, gosta mesmo é de aparecer...

Quando alguém que se mete na política não vê o seu génio reconhecido pelos seus pares, é provável que isso se deva ao facto de que, afinal o dito génio não é lá grande coisa.

Como Amaral Dias tem uma excelente opinião de si própria e depois precisa de ganhar a vida, foi pregar para franjas que garantidamente lhe darão sempre atenção. Não há nada que os negacionistas mais gostem do que ouvir alguém com notoriedade e um grau académico (como isso conferisse imunidade contra o disparate) a debitar as teorias de conspiração habituais...

Não esquecer que Donald Trump era um Democrata com posições socialmente liberais...

Não me espantarei pois se um dia destes Amaral Dias (juntamente com Ana Rita Cavaco, por razões diferentes) acabar por aderir ao Chega...

Helena Araújo disse...

Nem sei que diga, Jaime Santos. :(

Tomé Namora disse...

Parabéns Helena.
A sua escrita é uma bênção que me vem acompanhando há algum tempo!
Coragem, para nos continuar a ajudar a pensar de modo crítico, contra todos os extremismos, dando o justificado valor aos dados fundamentados e à ciência conta o negacionismo e a deturpação dos factos.
Tomé Namora