31 janeiro 2021

neve!




Ontem à noite começaram a cair uns flocos, e esta manhã tinha 10 cm de neve em cima da panela da sopa. Já não nevava em Berlim desta maneira desde 2013. 

Olhei para fora, a ganhar coragem para ir limpar a neve no passeio. Já estava limpa. Pela segunda vez em 10 dias. Pensava que era um dos três vizinhos cujo passeio limpo quando já estou com a mão na pá, mas não. Era outro - de mais longe, e do outro lado da rua. 
Então como é? Ajudo uns, e depois sou ajudada por outro? E agora: continuo a limpar o passeio do meu lado da rua, ou atravesso e ajudo os vizinhos da frente? 
Vou continuar a observar esta dinâmica, meditar sobre o assunto, e no fim do inverno talvez escreva um ensaio com o título "faz bem sem olhar a quem?"  


Por ser fim-de-semana (enfim: qualquer desculpa serve) decidi fazer o meu bolo de chocolate favorito, e fiz logo três, porque o trabalho é o mesmo mas a alegria multiplica. Fui levar um deles ao vizinho que me limpou a neve. Não estava em casa. Levei o segundo bolo a um amigo que estava a sair para uma semana de férias (e antes que perguntem pelo coronavirus: férias numa casa isolada perdida no meio da paisagem). O caminho para casa dele estava encantador: o céu azulíssimo, e o sol a brilhar na neve que envolvia as árvores. Para não me atrasar, decidi que no regresso tirava as fotografias que me apetecia. Mas enquanto fui e vim, o sol desapareceu.
Já devia saber: em Berlim, carpe diem é sobretudo carpe momentum. Não deixes para daqui a vinte minutos o que podes fazer agora!

Mas pelo menos não perdi o sol nas casas do Bruno Taut. 




No regresso, e apesar do céu cinzento, dei um pequeno passeio na floresta. Eu, e mais praticamente todos os habitantes desta cidade. Parecia a praia de Carcavelos naquele dia em que terminou o confinamento.
Ninguém estava de máscara - excepto eu.  




Ao regressar vi que um dos carros do vizinho já estava em frente à garagem, e fui de novo levar-lhe o bolo dele. Ninguém abriu a porta. Vim para casa, fiz café, e encetei o bolo que tinha feito para nós. Deu-me um Alzheimer galopante, de cada vez que acabava o último bocadinho da fatia já não me lembrava se o bolo estava bom, e tinha de comer mais uma para tentar inscrever aquela memória num canto mais estável do cérebro. 
Algo me diz que estive outra vez a inscrever memórias de forma muito estável nas ancas, mas não me importa: pelo menos fiquei a saber que estava mesmo bom. 

Fui buscar o jantar ao meu take-away favorito, e no caminho passei pela terceira vez na casa do vizinho. Ainda não estava em casa. Será que saiu de férias, como o meu amigo?
Para não passar a próxima semana a passear um bolo entre a minha casa e a do vizinho, dei-o às amigas do restaurante, com o pedido de me dizerem truques para ficar ainda melhor. 

Em tempo de confinamento, continuamos próximos por estes gestos de dar e receber. 

1 comentário:

bettips disse...

Oh... não são cerejas, claro, são maçãs, as do pecado que mora ao lado.
Gostei da reportagem, muito, um raio de sol no perfil das casas. Abençoada, caríssimos olhos!
Abç