Ontem à noite começaram a cair uns flocos, e esta manhã tinha 10 cm de neve em cima da panela da sopa. Já não nevava em Berlim desta maneira desde 2013.
Olhei para fora, a ganhar coragem para ir limpar a neve no passeio. Já estava limpa. Pela segunda vez em 10 dias. Pensava que era um dos três vizinhos cujo passeio limpo quando já estou com a mão na pá, mas não. Era outro - de mais longe, e do outro lado da rua.
Então como é? Ajudo uns, e depois sou ajudada por outro? E agora: continuo a limpar o passeio do meu lado da rua, ou atravesso e ajudo os vizinhos da frente?
Vou continuar a observar esta dinâmica, meditar sobre o assunto, e no fim do inverno talvez escreva um ensaio com o título "faz bem sem olhar a quem?"
Por ser fim-de-semana (enfim: qualquer desculpa serve) decidi fazer o meu bolo de chocolate favorito, e fiz logo três, porque o trabalho é o mesmo mas a alegria multiplica. Fui levar um deles ao vizinho que me limpou a neve. Não estava em casa. Levei o segundo bolo a um amigo que estava a sair para uma semana de férias (e antes que perguntem pelo coronavirus: férias numa casa isolada perdida no meio da paisagem). O caminho para casa dele estava encantador: o céu azulíssimo, e o sol a brilhar na neve que envolvia as árvores. Para não me atrasar, decidi que no regresso tirava as fotografias que me apetecia. Mas enquanto fui e vim, o sol desapareceu.
Já devia saber: em Berlim, carpe diem é sobretudo carpe momentum. Não deixes para daqui a vinte minutos o que podes fazer agora!
Mas pelo menos não perdi o sol nas casas do Bruno Taut.
Ninguém estava de máscara - excepto eu.
Algo me diz que estive outra vez a inscrever memórias de forma muito estável nas ancas, mas não me importa: pelo menos fiquei a saber que estava mesmo bom.
Para não passar a próxima semana a passear um bolo entre a minha casa e a do vizinho, dei-o às amigas do restaurante, com o pedido de me dizerem truques para ficar ainda melhor.
Em tempo de confinamento, continuamos próximos por estes gestos de dar e receber.
1 comentário:
Oh... não são cerejas, claro, são maçãs, as do pecado que mora ao lado.
Gostei da reportagem, muito, um raio de sol no perfil das casas. Abençoada, caríssimos olhos!
Abç
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