20 novembro 2020

a raposa no meio das galinhas

 



Notícias muito preocupantes sobre os ataques à Democracia na Alemanha: no dia em que se discutiu no Parlamento Federal a nova lei para enquadrar a actuação dos governos em caso de pandemia, que restringe o actual poder discricionário do governo e estabelece as suas possibilidades de actuação, 

(1) a AfD, por motivos de pura estratégia mediática, criou uma narrativa inversa, comparando a lei em debate ao golpe de Estado que permitiu a Hitler escapar às regras da Democracia e instalar-se no poder;

(2) no plenário do Parlamento, todos os deputados da AfD usaram as cadeiras livres ao seu lado para exibirem um cartaz patético mostrando uma faixa de luto por cima da Constituição (o presidente do Parlamento mandou-os tirar tudo aquilo imediatamente, dizendo que a troca de ideias naquela casa não é feita com recurso a cartazes);  

(3) alguns deputados da AfD levaram convidados para a parte de acesso reservado dos edifícios parlamentares (o que é permitido), mas deixaram-nos por lá à solta (o que não é permitido). Esses arruaceiros andaram a perseguir, a intimidar, a filmar e a insultar políticos que se dirigiam ao plenário, entre os quais o ministro da Economia como se vê neste filme. Alguns funcionários do Parlamento sentiram-se de tal modo ameaçados que se fecharam à chave dentro dos seus escritórios. Os filmes dos políticos ultrajados no interior do Parlamento foram postos online, para gáudio dos inimigos da Democracia; 

(4) ali perto, junto à Porta de Brandeburgo, uma manifestação contra as medidas de combate à pandemia e contra esta lei foi dispersada pela polícia, uma vez que não respeitavam as regras de saúde pública; a polícia usou os canhões de água com potência reduzida, de modo a fazer uma espécie de chuva sobre eles, uma vez que havia crianças entre os manifestantes (o que está muito bem - e seria muito desejável que tivessem a mesma delicadeza quando estão perante manifestantes que querem impedir uma marcha de neonazis, ou a destruição de um parque numa cidade, ou um transporte de lixo nuclear).

A lei foi aprovada pelo Parlamento e assinada pelo presidente nesse mesmo dia, para entrar em vigor o mais depressa possível. Estamos em plena pandemia, é importante que o quadro legal seja claro - nomeadamente para facilitar o trabalho dos tribunais que serão chamados a decidir sobre as decisões dos governos e o comportamento de agentes do Estado. Hoje, o Parlamento debateu sobre o comportamento da AfD e acusou o partido de se aproveitar cinicamente dos direitos dos seus deputados para atacar a Democracia.   


[ ADENDA: Desde que escrevi este post, há várias semanas, penso noutros casos que recentemente têm chocado a sociedade alemã. Antes deste Novembro, em que deputados da AfD introduziram na área reservada do Parlamento youtubers de extrema-direita para intimidar e achincalhar os mais altos representantes da nação, enquanto transmitiam em directo para os seus canais na internet (como, aliás tinham anunciado nos dias anteriores), já tinha havido em finais de Agosto uma tentativa de invasão do Parlamento por grupos desse espectro político. A polícia informou recentemente que o número de crimes contra estrangeiros e em especial contra judeus está a aumentar imenso. Em 2018, grupos de extrema-direita lançaram-se em Chemnitz numa violenta perseguição aos estrangeiros que por acaso andassem nas ruas. A caça ao homem em Chemnitz aconteceu numa altura em que o país ainda debatia, consternado, a afirmação de um dos chefes da AfD, que se queixara da importância excessiva que ainda hoje se dá ao período nazi, quando isso "não passou de uma cagadela de pássaro" no conjunto da "gloriosa História alemã". E antes disso outros escândalos houve, que não são nem independentes uns dos outros, nem casuais. Cada um deles é um marco no processo de fazer recuar as linhas vermelhas, de modo a alargar o caminho das forças antidemocráticas. O "nunca mais!" - que a Democracia alemã frequentemente repete para assinalar o dever da responsabilidade histórica - corre o risco de se tornar uma expressão ultrapassada pela realidade. ] 


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À margem disto, uma nota pessoal: o chefe de uma amiga minha é um dos que pensa que a Covid é uma gripezinha e que a máscara é um atentado à sua liberdade pessoal. Por conseguinte, anda no escritório sem máscara, e vai de mesa em mesa falar com quem lhe apetece à (pouca) distância que lhe apetece. Há dias descobriu-se que tinha covid. A minha amiga - que tem 30 anos, e uma saúde relativamente frágil - descobriu hoje que foi contagiada por ele. 


3 comentários:

MANOJAS disse...

Mas a sua amiga usava máscara?

Helena Araújo disse...

A minha amiga usava máscara. Mas a máscara que cada um de nós usa protege mais os outros do que nós. Ao usar máscara, ela protegia o chefe e os colegas do eventual contágio, mas o chefe não se preocupou em proteger os outros.
As máscaras que usamos são sobretudo um gesto de solidariedade para com os outros. E um pacto: estamos juntos nisto, juntos conseguiremos vencer.

Prosperine disse...

Der Schaum unserer Tage...diria eu...so spielt das Leben!