17 outubro 2020

não ter medo da covid

Nesta crise da covid tenho ouvido cada vez mais falar em medo, em "manipulação pelo medo" em "não ceder à estratégia do medo". Parece que há por aí quem acredite que os governos têm um plano secreto de instalação do totalitarismo, e a covid é apenas uma excelente desculpa para a pôr em prática.

Quem será que está a pôr estas ideias a correr? Quem adere a elas, e porquê? Acreditam mesmo que os actuais governos europeus têm uma agenda totalitária?

Quanto aos outros, os que sabem que estamos a viver uma pandemia, que o vírus tem uma taxa de mortalidade de cerca de 1% e leva ao internamento hospitalar de cerca de 6% dos infectados, mas falam na mesma em "resistir ao medo", pergunto: o que querem dizer com isso?

Será que "não ceder ao medo" e "manter a normalidade a todo o custo" significa aceitar que o vírus se propague em roda livre, usar para a covid apenas a capacidade médica e hospitalar que esteja disponível depois de tratar todas as outras doenças, e dizer "paciência, shit happens" no caso de a avó, ou a mãe, ou o filho diabético/com problemas cardíacos/com problemas pulmonares/com hipertensão lhes morrerem à porta do hospital por não haver lugar lá dentro? É esse o cenário que propõem? (Nota: podemos discutir os números que dei acima, 1% de mortalidade e 6% de necessidade de internamento hospitalar - mas, sejam eles quais forem, há que fazer as contas: há camas e pessoal nos hospitais para acudir a todos os que precisarem de ajuda caso o vírus se espalhe livremente pela população?) Ou será que têm propostas para um combate mais eficaz contra o vírus? Venham elas!

Pessoalmente, não sinto medo da covid. Sinto responsabilidade: quero participar voluntariamente no esforço de conter o vírus. Não por mim - provavelmente conseguiria safar-me sem grandes danos - mas para proteger aqueles que possa involuntariamente contagiar.

Se me custa falar com máscara? Sim, custa - mas nada que se pareça com o que me custaria saber que uma vizinha de 80 anos morreu por causa da covid com que involuntariamente a contagiei. Se me custa não poder abraçar os amigos? Sendo esse o preço a pagar para a minha amiga asmática se poder sentir um pouco mais segura, seja. Se tenho pena de andar a adiar sine die os projectos de viagem? Claro que sim - mas repito a mim própria que é apenas um adiar. Se tenho pruridos em usar o app alemão para me avisar caso tenha estado perto de alguém com covid? Não, nada, porque (1) é voluntário, (2) tenho a certeza que não foi criado para espiar os meus movimentos, e - tão last quanto least - (3) não funciona no meu telemóvel jurássico... Se estou chateada por este ano o nosso Natal ser diferente do habitual? Não, nem um bocadinho, porque é uma decisão responsável que tomamos por amor: uma das pessoas com quem costumamos passar o Natal tem um problema gravíssimo de coração. Nem pensar em fazê-la correr risco de vida apenas porque nos custa desistir da tradição.

Podemos sempre escolher entre estar nisto como vítimas, ou como cidadãos responsáveis. Cidadãos responsáveis que aceitam voluntariamente privar-se de parte daquilo a que estavam habituados para participarem no esforço de contenção deste vírus. E para não virem a carregar a culpa de terem contribuído para a morte da alguém que amavam. Ah, e quase ia esquecendo: o inimigo não é o governo. É o vírus. O vírus - e quem, perante os esforços de conter a pandemia e salvar vidas, aproveita para criar ainda mais confusão e teorias da conspiração.


2 comentários:

Zurk disse...

Se esse 1% fosse distribuído equitativamente faria sentido esse raciocínio. O problema é que faixas etárias em que esse valor é de 15% e isso sigbfica que, para essas pessoas lidar com esse risco de morte se infetadas é devastador e isso leva a qie se tenham que tomar muito mais precauções e restrições.

Unknown disse...

Haja quem pense positivo,sim,isto é fazer algo pelo bem comum, subscrevo completamente é disto que todos precisamos.