03 junho 2020

"biciclista"

Alguns apontamentos sobre #biciclista:


1. Muito gostava eu de perceber porque é que nos dicionários online infopedia e priberam aparecem tanto "biciclista" como "ciclista", com praticamente a mesma definição, mas sem serem sinónimos um do outro. Alguém consegue explicar?


2. Só cá para nós, que ninguém nos ouve: devia ser "ciclista", eu sei. Mas - que querem? - hoje é o dia mundial da bicicleta. E como essa palavrinha já saiu...
(Um dia destes perco este tacho, só por causa disto e daquilo, e não sei que vai ser a minha vida sem o stress quotidiano do princípio da manhã...  )
[Nota, para quem não sabe: na maior parte dos dias, quem propõe o tema do dia na Enciclopédia Ilustrada sou eu.]


3. Em Berlim, os biciclistas fazem há mais de quarenta anos uma "Fahrradsternfahrt" no primeiro domingo de Junho (sempre por volta do dia mundial do Ambiente) com dezenas de milhares de participantes. Atravessam a cidade toda, e andam inclusivamente na autoestrada AVUS. Este ano não fizeram, por causa da covid-19.


4. Em compensação, uma vizinha disse-me que nunca como nos últimos 2 meses se viram tantos biciclistas em Berlim. O medo de ser contagiado nos transportes públicos levou as pessoas a preferir deslocar-se de bicicleta. "A ver se a moda pega de vez", rematou a minha vizinha. No caso dela, já pegou há séculos: vai para o trabalho de bicicleta, faça o tempo que fizer. E trabalha a 10 km de casa.


5. Também vi disso na Holanda: uma mulher que até era quadro superior numa organização internacional, e ia para o trabalho de galochas, capa e calças da chuva. Quando chegava ao escritório trocava as galochas por sapatos finos.
Também vi disso numa empresa de software na qual trabalhei. Os meus colegas e os seus chefes - muitos deles milionários porque a empresa tratava mesmo bem as suas galinhas dos ovos de ouro - iam para o trabalho de bicicleta.


6. Não sei como foi em Portugal, mas vi que tanto em Brest como em Berlim aproveitaram o confinamento para reforçar a rede de vias para transportes públicos e bicicletas na cidade toda.

O pessoal saiu do confinamento, e - pufff - tinha as ruas transformadas, e muito menos espaço para carros.


7. O meu Tio Zé, que de facto era tio do meu pai, ia para todo o lado na sua bicicleta. Fazia aqueles montes minhotos ó pra cima e ó pra baixo como se fosse essa a maneira mais certa de andar no mundo. Mas não se pode dizer que fosse um biciclista - quando muito, era um xicolateirista, porque toda a gente chamava xicolateira à coisa que o levava de cá para lá. Lembro-me bem dele num dia de chuva, em cima da sua máquina, com o guarda-chuva pendurado no colarinho. A minha mãe enervou-se muito com a cena da gola esticada para trás, fazendo a chuva cair pelas costas. É estranho como me lembro tão bem de algo que aconteceu há quase cinquenta anos: o Tio Zé misturado com a paisagem verde e a chuva, e eu sem saber se era uma imagem de desamparo, de palermice ou de liberdade.


8. Por essa altura aprendi a andar de bicicleta. O início da minha carreira de biciclista, ora pois! Foi depois da escola: a caminho de casa dei com um grupo de miúdos a brincar no passeio largo, e havia por ali uma bicicleta sem rodinhas que me deixaram experimentar. Quando finalmente tomei o jeito à coisa apareceu a minha mãe de carro, assustadíssima por eu ainda não ter chegado para o almoço. Percebi a borrasca, e tentei remendar, anunciando feliz da vida: "já sei andar de bicicleta!" Mas nem isso a demoveu. Já tinha decidido que o meu atraso merecia uma dúzia de bolos com a colher de pau. Lá os levei (que remédio!...) mas ou ela não bateu com força ou eu estava anestesiada pela alegria maior de já ser como os grandes.


9. A minha mais recente peripécia de biciclista foi na segunda-feira passada: lembramo-nos de pedalar até uma ilha daquelas que se pode conquistar a pé enxuto quando a maré está baixa. O problema é que a maré já estava a encher. Para lá bem fomos - a água só passava uns 5 cm acima da estrada. Para cá, tive de arregaçar a saia e carregar a bicicleta aos ombros. Do lado de lá estava um homem no barco a olhar para nós os dois. Devia estar a tentar decidir se aquilo era uma imagem de desamparo, de palermice ou de liberdade.
Moral da história: no fundo, no fundo, ainda sou como os pequenos.



3 comentários:

jj.amarante disse...

Aqui em Lisboa também andam a reduzir o espaço para a circulação de automóveis para criarem pistas para ciclistas. E o sobe e desce de Lisboa pode ser facilmente ultrapassado com as bicicletas eléctricas!

" R y k @ r d o " disse...

Bom dia:- Ciclista ou biciclista, eis a questão. Afinal são ou não os dois termos correctos?
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Um dia feliz
Cumprimentos

Lucy disse...

"ainda sou como os pequenos" não ainda mas já... "se não vos tornardes como..."