A cena que vou contar passou-se em Weimar, no coração da Turíngia, uns 15 anos depois da reunificação. Nessa época, a maior parte das pessoas falava russo como segunda língua, e ia tentando fazer o seu caminho entre o sistema em que se socializara, e o sistema forasteiro que se viera impor às suas vidas.
O liceu da minha filha usava uma forte componente de francês para afirmar a sua diferença no panorama escolar da cidade, e por isso atraía muitas famílias vindas da parte ocidental da Alemanha. As reuniões de pais eram muitas vezes momentos de confronto de paradigma - que eu, portuguesa, observava como se não fosse nada comigo.
Numa dessas reuniões falava-se das propostas que vários pais tinham feito para as comidas a servir numa festa escolar. A directora de turma juntara as propostas numa lista, que íamos lendo e discutindo.
Perante a oferta de levar uma #quiche, feita por uma família de Frankfurt, uma mulher de Weimar perguntava completamente desorientada:
- Kvitxe? Que é isto?
Ela lera a palavra francesa segundo as regras do alemão: "u" a seguir a "q" lê-se como "v". E, obviamente, não fazia a menor ideia da língua original da palavra, e do seu significado.
Uns dias mais tarde a pessoa que fizera a proposta de levar uma quiche comentava comigo aquele momento. Ria-se imenso com o sucedido, especialmente porque "kvitxe" lembra "quietschen" (chiar).
A confusão tinha graça, mas eu não devia ter rido com ela.
Muitas das dificuldades que existem actualmente na Alemanha nasceram de atitudes como essa, do sentimento de superioridade de alguns perante quem não conhecia algo normal na Alemanha Ocidental, sem se darem conta de que essas pessoas não eram ignorantes - simplesmente sabiam outras coisas, conheciam outros mundos.
Sem comentários:
Enviar um comentário