09 abril 2020

"Dietrich Bonhoeffer" (4. Envolto em bons poderes, leais e calmos...)



Um dos cânticos que se ouve frequentemente nos serviços religiosos entre o Natal e o Ano Novo tem a letra de um poema que Dietrich Bonhoeffer escreveu na prisão pouco antes do Natal de 1944 - e uns meses antes de ser assassinado pelos nazis. Na imagem pode ver-se uma tradução para português que encontrei no livro "Dietrich Bonhoeffer: discípulo, testemunha, mártir - Meditações", de Harald Malschitzky". O original é bem mais belo ("Envolto em bons poderes, leais e calmos,") mas nem sei nem tenho tempo para traduzir isto como merecia.

Normalmente associa-se aqueles "bons poderes" ao poder divino. Mas há quem leia o início do poema como uma referência à sua família, que o envolve numa rede amorosa de cuidado e protecção.

Traduzo uma carta que o seu irmão mais velho escreveu aos seus próprios filhos pouco depois do fim da guerra, e que mostra bem como a família Bonhoeffer cuidou dos seus membros apanhados pela fúria nazi:

"... Gostaria de vos falar sobre tudo isto. Porquê? Porque os meus pensamentos estão lá neste momento, nas ruínas de onde não nos chegam notícias, na prisão onde visitei o tio Klaus (irmão), o condenado à morte, há apenas três meses. As prisões de Berlim! Que sabia eu sobre elas há apenas alguns anos atrás, e com que novos olhos as vejo agora! O edifício para prisões preventivas de Charlottenburg, onde a tia Christel (irmã) esteve presa durante algum tempo, a prisão militar de Tegel, onde o tio Dietrich (irmão) esteve preso durante ano e meio, a prisão militar de Moabit com o tio Hans (von Dohnanyi, casado com a irmã Christel), a prisão da SS na Prinz-Albrecht-Straße, onde o tio Dietrich foi mantido em cativeiro na cave durante meio ano, e a prisão na Lehrter Straße, onde o tio Klaus foi torturado e o tio Rüdiger (Schleicher, casado com a irmã Ursula) foi atormentado, onde ambos viveram durante dois meses após terem sido condenados à morte

Nos últimos anos, sempre que fui a Berlim esperei à frente das portas de ferro pesado de todas estas prisões. Ali acompanhei a tia Ursel e a tia Christel, a tia Emmi (de solteira Delbrück, casada com o irmão Klaus) e a Maria (von Wedemeyer, noiva do irmão Dietrich), que lá iam diariamente buscar ou trazer coisas. Muitas vezes fizeram o caminho em vão, muitas vezes se sujeitaram a ser insultadas por comissários vis, mas de vez em quando encontraram também um porteiro amigável com coração humano que transmitia uma saudação, que aceitava levar ao prisioneiro algo mesmo fora do período estabelecido, e até comida, apesar da proibição.
..... E agora! A última vez que estive em Berlim foi no final de Março; tive de regressar pouco antes do 77º aniversário do avô. O tio Klaus e o tio Rüdiger ainda estavam vivos; o tio Hans deu notícias através do médico que não pareciam totalmente desesperadas; do tio Dietrich, que tinha sido raptado de Berlim pelas SS no início de Fevereiro, não se sabia. Alguém falou com o tio Dietrich no dia 5 de Abril, na zona de Passau. De lá seria levado para o campo de concentração de Flossenbürg, perto de Weiden. Porque é que ainda não regressou? ..."

Os dois irmãos, Dietrich e Klaus, foram assassinados pelo regime nazi a 9 de Abril de 1944, menos de um mês antes do final da guerra, por ordem pessoal de Hitler. Com eles foram também assassinados os cunhados Hans von Dohnanyi e Rüdiger Schleicher. Um outro cunhado, Justus von Delbrück, seria libertado pouco antes do fim da guerra, e feito de novo prisioneiro pelo exército soviético duas semanas depois do armistício, vindo a morrer pouco depois num dos seus campos de concentração. E antes de todos eles fora já assassinado um tio da parte materna, o tenente-geral Paul von Hase, que logo após o atentado falhado a Hitler cercara a zona de ministérios de Berlim para prender os governantes.

Sobre o enorme sacrifício familiar, o pai de Dietrich Bonhoeffer escreveu a um antigo empregado em Boston:
"Pode com certeza imaginar como tudo isso nos afectou. Vivemos anos e anos com a preocupação dos que estavam presos, e dos que estavam ainda em liberdade mas em risco de serem também feitos prisioneiros. Mas como estávamos todos de acordo quanto à necessidade imperiosa de agir, e os nossos filhos sabiam o que os esperava caso o complot falhasse e estavam preparados para morrer, sentimo-nos muito tristes e ao mesmo tempo orgulhosos pela sua atitude digna. Recebemos dos nossos filhos boas recordações durante o seu tempo na prisão ... que nos comovem muito, bem como aos amigos deles ..."

O irmão mais velho, que só por milagre escapou ao radar dos nazis, viria a comentar mais tarde: "O que nos deu força foi a frente unida da família contra os nazis. Mas pagámos um preço altíssimo por isso."


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