21 março 2020

o novo quotidiano

Esta manhã fomos fazer as compras necessárias. As pessoas esperavam em frente às lojas guardando uma distância de cerca de dois metros umas das outras. Na padaria trouxeram os móveis de balcão para a entrada, de modo a servirem os clientes directamente na rua, e pediam para pagarmos com cartão, para que os vendedores não tivessem de pegar no nosso dinheiro. Na zona das caixas do Lidl havia marcações no chão para respeitarmos a distância de segurança, e os funcionários na caixa estavam separados do público por grandes placas de plexiglas.

Vi alguns vizinhos nas suas varandas, a saborear o sol tímido deste primeiro dia de primavera. Alguns liam, um deles dançava.

Já tive manhãs de Ano Novo no meu pacato bairro bem mais movimentadas que as ruas de Brest neste sábado de manhã. Os bretões estão a mostrar-se extraordinariamente razoáveis e disciplinados. Mas de momento temem o perigo acrescido provocado pelos parisienses, que se deslocaram em massa para as suas casas de férias nesta costa mal ouviram do Macron o anúncio de que o país ia fechar daí a algumas horas.

Telefonámos longamente com os nossos filhos e alguns amigos. Aparentemente na Alemanha ainda há muita gente que não se apercebeu da gravidade da situação.

A minha professora de zumba enviou para o grupo whatsapp uma gravação de exercícios que podemos fazer em casa. Agradeci-lhe, mas a verdade é que já ando a tentar escapar à gravação de exercícios que o ginásio do Joachim lhe enviou para ele se manter em forma.

Posei para o Joachim, e as pinturas estão agora espalhadas pelas paredes do nosso quarto, tornando mais nosso este apartamento provisório. Só é pena os lápis e pincéis dele terem entrado em modo automático e terem pintado como bem lhes apeteceu - e logo havia de lhes ter apetecido pintar à maneira de Rubens, não sei se me faço entender...
(pincéis da marca Modigliani já me bastavam)

Comovi-me imenso com os habitantes de uma rua na Alemanha a cantar o Bella Ciao para a população de Bérgamo.


Una mattina mi son alzato
Bella, ciao, bella, ciao, bella, ciao, ciao, ciao
Una mattina mi son alzato
Ho trovato l'invasor

Estamos juntos na luta contra este invasor. E só se unirmos esforços com toda a determinação conseguiremos vencê-la.



Comovi-me com a notícia de que os hospitais do sudoeste da Alemanha estão a aceitar doentes franceses que não têm lugar nos hospitais do lado de cá da fronteira.

Mas ao fim do dia, no noticiário francês, falaram do modo como a Alemanha se está a preparar para a grande vaga de casos graves que temem estar para breve (o vírus só chegou ao país há cerca de 3 semanas, e demora algum tempo antes de se revelar em toda a sua violência) e revelaram que os hospitais se estão a abastecer com grandes stocks de material como máscaras e luvas, que recusam partilhar com os países em situação de carência.

No mesmo noticiário também entrevistaram um médico francês que está a trabalhar há quase dois meses em Wuhan. Ele criticou as medidas do seu governo, por serem demasiado insuficientes. Segundo ele, é preciso reclusão absoluta.

Reclusão absoluta?!
(mas... mas... mas em reclusão absoluta não vou poder reabastecer-me de gateau breton à velocidade a que ele se evapora em cima da mesa...)
(e só comprei oito rolos de papel higiénico...)


Piadas à parte: no fim do mês mudamos para o apartamento onde devemos ficar até ao fim da nossa estadia em França. Temos de tratar dos contratos de electricidade e de internet, e não sei se o processo será assim tão simples, especialmente tendo em conta a situação actual.
Nem quero imaginar o que será estar em reclusão absoluta sem internet.


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