Nos dias que se seguiram à libertação desse campo, em Abril de 1945, usou as folhas de papel deixadas pelos SS e passou semanas a desenhar febrilmente o seu testemunho da vida nos campos em que viveu como prisioneiro entre os 13 e os 15 anos.
O livro chama-se "aqui não há crianças", e foi publicado em 1997 por Volkhard Knigge, director do Memorial do Campo de Concentração de Buchenwald.
Partilho alguns desses desenhos, juntamente com a tradução das frases.Custou-me imenso fazer este trabalho, e ao mesmo tempo senti-me mais próxima deste miúdo de espírito crítico e capacidade de amarga ironia.
Também custará a ler, mas façam o esforço. Ao menos por respeito à criança que entre os 13 e os 15 anos passou por este horror e dele quis dar testemunho.
(Clicar nas imagens para ver melhor)
Aqui não há crianças - desenhos de um historiador infantil
É dos mortos destes campos de concentração que vem o aviso.
Na rampa (Auschwitz)
Campo de concentração Birkenau
Neste campo de extermínio, na Alta-Silésia (Auschwitz), centenas de milhares de pessoas foram gaseadas pela SS, e cremadas.
DESINFECÇÃO
Vestir / Banho / Injecção / Cortar cabelos / Despir
Tatuar / Registo
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Tradução (parcial):
Campo de concentração Auschwitz (mas também no campo pequeno de Buchenwald)
[N.T.: o "campo pequeno" de Buchenwald era um recinto nesse campo de concentração reservado aos judeus - com condições ainda mais duras que as do restante espaço do campo]
Barraca de madeira - 1000 homens
Barraca de madeira (tipo estábulo de cavalos) com vários níveis de estrados como cama
Até 1500 homens
Campo de concentração Birkenau
Tradução parcial:
Símbolos
Avesso ao trabalho: russos, ciganos
Políticos: alemães, polacos, checos, franceses, etc.
Testemunhas de Jeová, pessoas da Igreja, padres
Judeu
Círculo laranja - no peito, nas costas e nas calças: suspeita de tentativa de fuga
[Na coluna da direita descreve as diferentes tatuagens (tem, por exemplo, Z de cigano) e soma os números de tatuagens feitas: 375.000 pessoas]
Avesso ao trabalho: russos, ciganos
Políticos: alemães, polacos, checos, franceses, etc.
Testemunhas de Jeová, pessoas da Igreja, padres
Judeu
Círculo laranja - no peito, nas costas e nas calças: suspeita de tentativa de fuga
[Na coluna da direita descreve as diferentes tatuagens (tem, por exemplo, Z de cigano) e soma os números de tatuagens feitas: 375.000 pessoas]
ABC de Auschwitz
[Alguns exemplos:]
B de Bloco
D de Desinfecção
J de Judenstern (estrela de David)
T de Tatuação
Z de Zaun (vedação)
O que comíamos
[Comparação Auschwitz / Buchenwald
No centro: os dias da semana
M: segunda-feira
D: terça-feira
etc.]
Campo de concentração Auschwitz I (Alta Silésia)
Küche: cozinha
Lagerstrasse: Rua do Campo
Birkenweg: Caminho das Bétulas
Verbotene Zone: Zona proibida (delimitada por arame farpado e cerca eléctrica)
Postenturm: torre de vigia
Braçadeiras no campo de concentração Auschwitz I
[Vários postos de controle do campo, e ainda, entre outros:
- cabeleireiro do campo
- tradutor-intérprete do campo
- porteiro]
O dia da semana no campo de concentração Auschwitz
5:00 levantar
Vestir
Lavar
Comer e beber
Fazer camas
6:00 Apresentar-se ao serviço
Marchar para o trabalho
Trabalho
12.00-1:00 Intervalo
Almoço
Descanso
Trabalho
5:45 Marcha de regresso
6:30 Formação para chamada
Ir buscar a porção
Lavar
8:30 Dormir
"organizamos" (Auschwitz)
xxxx e salsichas
Matadouro
[Nota: ouvi de um sobrevivente de Buchenwald que "nós organizamos" era uma palavra-chave no campo de concentração: nós organizamos um pedaço de pão, nós organizamos um par de sapatos.
Eram esquemas de sobrevivência.]
A conta não está certa
Formação para contagem
até ao meio da noite.
A conta está certa (Auschwitz)
O mais velho do bloco dá ao SS o ---(?)
Os mais velhos do bloco reportaram.
O domingo no campo de concentração Auschwitz
Coser / cerzir meias / ler / imprimir números
limpar o bloco
limpar os sapatos / escovar roupa / lavar roupa
Coser / cerzir meias / ler / imprimir números
limpar o bloco
limpar os sapatos / escovar roupa / lavar roupa
A cerca de alta tensão.
A caminho do trabalho ao som de uma marcha
Triagem para a morte (Auschwitz I, casa de banho)
Perigos e pavores no campo de concentração (Auschwitz)
Crematório / Doença, epidemia / Banco de açoitar / Bunker
As doenças do campo
Devido a subalimentação:
- Fleimão
- ?
- Pitiríase ?
Devido a falta de higiene:
- Sarna
Devido a alimentação anormal:
- Diarreia
- Desinteria
Devido a contágio:
- Tifo
- Escarlatina
- Febre...?
Cartazes :
"um piolho / a tua morte"
"Proibido beber água - risco de doenças"
"Entrada proibida! Quarentena / Tifo"
Devido a subalimentação:
- Fleimão
- ?
- Pitiríase ?
Devido a falta de higiene:
- Sarna
Devido a alimentação anormal:
- Diarreia
- Desinteria
Devido a contágio:
- Tifo
- Escarlatina
- Febre...?
Cartazes :
"um piolho / a tua morte"
"Proibido beber água - risco de doenças"
"Entrada proibida! Quarentena / Tifo"
Consulta médica
É assim que trabalhamos
Entradas
Câmara de assassínio de Auschwitz
"Ele tinha escapado"
e nós tivemos de marchar em roda
Cartazes:
"Hurrah, já estamos de novo cá!"
"Apesar de termos preparado a fuga, não conseguimos escapar!" (NT: não está muito legível)
"Daqui ninguém escapa!"
Salvem os camaradas
A nossa camaradagem salvou a vida a milhares de camaradas
Esta página parece ter uma canção do campo - imagino que terá sido composta por algum sádico nazi.
Não consigo entender todo o texto. Uma tradução aproximada:
I.
Já estou no campo de Auschwitz
há alguns dias ou anos
Mas penso muito e com saudade
Nos entes queridos que estão longe
Quer haja neve, quer as rosas estejam a florir
II.
Cada manhã bem cedo
Começa o prazer e a canseira do dia
Quer estejamos obrigados ao trabalho ou ao desporto
Ecoa sempre uma canção alegre
Quer haja neve, quer as rosas estejam a florir
III.
Mas também para nós chegará o tempo
Em que seremos libertados da "prisão de protecção"
E então pensarei com alegria
Como era a vida no campo Auschwitz
Quer haja neve, quer as rosas estejam a florir
[Na parte de baixo da folha lê-se o horário do campo, numa manifestação da amarga ironia deste rapaz de 15 anos.
Na página seguinte (que não fotografei) tem um outro poema, este proveniente do campo das mulheres,
com o título "a canção/o sofrimento de Auschwitz"
(trocadilho: Lied/Leid)
Nele fala-se do "ninho maldito, odiado pelos prisioneiros como a peste", fala-se das doenças, das pragas de insectos, dos guardas omnipresentes, da construção de novas barracas para os milhares que ainda virão.
E no final:
Vês passar colunas de gente sem fim
Muitas vezes vês pai e irmão no meio deles
Nem os podes cumprimentar, custa-te a vida
Aumentas sem querer o seu sofrimento. ]
O trabalho das mulheres no campo de concentração Auschwitz I
Horário de trabalho igual ao dos homens
das 6:30 às 5:30, com guardas e mulheres SS
Trabalho na fábrica 2000
Cavar 800
Carregar tijolos 400
Carregar lenha 400
? 300
Separar sapatos 300
Lavandaria 300
Costura 200
Separar pertences 200
Armazém 150
Escritório 100
Brigadas no campo das mulheres em Auschwitz
O amor do prisioneiro (Auschwitz I)
(mas por caminhos desviados)
Uma brigada rara
Elas estão a apanhar ervas daninhas para a sopa
Colectores de ervas
Desporto (Auschwitz)
Um comando da morte
-- os que procuram bombas
Somos revistados
No fio eléctrico
Foram dar um passeio durante o tempo de trabalho!
As testemunhas de Jeová tinham de servir os SS
- ir buscar água
- trabalhar na cozinha
- trabalho doméstico
- limpeza
Parasitas
percevejo / piolho / pulga / sarna
desinfecção / chamada para piolhos
CULTURA (Auschwitz I)
Enforcamento de 12 polacos por suspeita de quererem fugir.
"O que comíamos"
Hunger = fome
- cascas de batatas
- lixo da cozinha
- couve apodrecida
- couve-sueca crua
- pão bolorento
"organizado"
A cozinha dos prisioneiros
"Ir buscar comida"
Armazém / Pão
Cozinha / Almoço
Armazém / Porção (refeição do fim do dia)
Ir buscar comida (Auschwitz I)
O carro da merda (Auschwitz)
Junto ao portão
Saída do campo
Campo de concentração Auschwitz 10:I.45
- Queimar os documentos
- 2 pães
- 1 conserva
- 1/2 pacote de margarina
Ao frio, à neve, de noite e com tempestade
Evacuação de Auschwitz na Alta Silésia, 10.I.45
Marcha em direcção a Oeste.
Em verso:
"Os guardas vão e vêm
Ninguém, ninguém consegue atravessar.
A fuga só pode custar a vida
A fortaleza tem quatro vedações.
(Campo de concentração Gross-Rosen)
Distribuição de comida (Buchenwald)
1 x por dia o prisioneiro podia comer na sala de cinema e receber a sua porção.
Barraca dos assassínios
[ Este desenho descreve uma barraca de Buchenwald no qual se construiu o cenário de um consultório médico para assassinar os prisioneiros com um tiro na nuca, quando se encostavam ao aparelho de medir a altura. Atrás da barra de medição havia uma abertura para o quarto ao lado, onde um soldado esperava o momento de disparar.
Foram assim assassinados muitos soldados russos, prisioneiros de guerra.]
"FORA!"
Buchenwald é evacuado um dia antes da libertação.
"Estamos livres"
11.IV.45
Homens SS aprisionados, guardados pelos prisioneiros.
Foram para o bunker.
Amigos americanos em Buchenwald
"Hurrah, a liberdade!"
Passeamos em Weimar
Chamada das Nações
[Explicação: alguns dias depois da libertação do campo, os prisioneiros aceitaram comparecer voluntariamente e pela última vez à chamada na parada.]
Foram para o bunker.
Amigos americanos em Buchenwald
"Hurrah, a liberdade!"
Passeamos em Weimar
Chamada das Nações
[Explicação: alguns dias depois da libertação do campo, os prisioneiros aceitaram comparecer voluntariamente e pela última vez à chamada na parada.]
Estamos livres!
Vamos para casa!
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Deixo mais um presente para quem chegou ao fim: um artigo da BBC sobre o autor destes desenhos, com imagens de melhor qualidade. Aqui: Auschwitz anniversary: The survivor who brought the Holocaust to life.
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