Diz-me a Wikipedia que no dia 3 de Fevereiro de 1933 "Adolf Hitler anuncia que a expansão do Lebensraum na Europa Oriental e a sua implacável germanização são os objetivos geopolíticos do Terceiro Reich".
Dou comigo a imaginar: e se nos tivesse acontecido a nós? Se Hitler tivesse escolhido ir para Oeste, em vez de alargar o "espaço vital" dos alemães para o Leste da Europa, e se decidisse germanizar os portugueses? E se ganhasse a guerra, e nós tivéssemos de o aturar durante décadas e décadas?
Continuo a imaginar: cinquenta anos depois do fim da guerra, uma revolução na Alemanha derruba a ditadura nazi, o país dá a independência aos seus territórios ocidentais, onde irão deflagrar terríveis guerras civis. Muitos habitantes dos territórios anteriormente ocupados fogem para a Alemanha, e ali tentam encontrar trabalho para refazer a sua vida. Na sociedade alemã vão-se instalando valores democráticos e começa-se a discutir a questão do racismo de que os portugueses que vivem na Alemanha ainda são vítimas.
E é então que acontece este diálogo em Berlim entre um alemão que defendia o alargamento do "espaço vital" alemão até ao Atlântico português (vamos chamar-lhe "colonialismo") e um alemão da "esquerda caviar":
- Devolver a Portugal aquelas peças de arte que trouxemos de lá?! Que tal perguntar a Portugal se se sentem desconfortáveis com o património que lá deixámos? Subjacente a
essa opinião está a crença de que esta colonização não foi um fator de
extraordinário desenvolvimento e que não foi ela própria que emendou os seus
aspetos mais negativos. Assim como a crença de que a vida
dos portugueses melhorou depois da independência. Claro que isto é muito
conveniente para os ditadores e para os que ascenderam ao poleiro em Portugal depois da independência.
E para a nossa esquerda caviar também.
- Quanto é que nós pagámos para
poder "instalar lá" o nosso património? O processo de aquisição de
terrenos para construir as nossas casas, por exemplo, foi limpo,
transparente e pelo preço justo?
E que me diz do
Estatuto do Indígena? Que tal perguntar aos portugueses se lhes devemos
alguma indemnização pelo que fizemos à sua população?
- As pessoas agora no poder em Portugal, depois da independência, são ditadores sanguessugas do povo e dos subsídios internacionais.
- Desde quando é que isso é um argumento válido? A sério: desde quando é que os erros dos outros justificam e desculpam os nossos?
- Estive lá durante uns anos. Com o meu pai que trabalhou na construção de uma refinaria.
Era uma sociedade multiracial, com portugueses, alemães, espanhóis e franceses. Todos ascendiam socialmente pelo trabalho, incluindo os portugueses, porque havia investimento e desenvolvimento. Eu andava na escola com todos eles e fiz amigos entre eles.
As diferenças eram culturais e de instrução, não de raça.
É
claro que houve legislação dedicada a motivar os portugueses do campo a
integrarem-se e trabalhar. É preciso lembrar que os tempos dos homens se
dedicarem exclusivamente à caça tinham acabado. Os homens no campo nada
faziam e todo o trabalho, agrícola e familiar era feito pelas mulheres.
Já nas cidades trabalhavam e os filhos tinham acesso a escola.
Acredite, o período de ocupação alemã foi um período de desenvolvimento.
Mas
quem, ideologicamente limitado, quiser dizer o contrário, encontrará
argumentos da forma costumeira: isolar elementos da realidade para
justificar conclusões pré determinadas.
- Todos ascendiam socialmente pelo trabalho, excepto os portugueses, que por serem portugueses não tinham direito a ascender. As diferenças não eram de raça, claro. Com a excepção de os alemães, só por serem alemães, terem mais direitos que os portugueses. À parte esses detalhes, era o melhor dos mundos. Para os alemães.
- É falso, ninguém
era discriminado por ser português. O que não quer dizer que não houvesse
racistas, mas a sociedade globalmente não era. Mas havia afastamento
pela distância cultural. Se era verdade que havia portugueses com um nível
cultural semelhante ao dos alemães, a maioria era camponesa ou tinha um passado camponês. E sim, os indígenas ascendiam socialmente.
Uma
evidência da subida social era o facto de em Portugal muitos quadros
administrativos dirigentes regionais eram espanhóis. Ascendiam
porque tinham mais instrução. E mesmo não sendo alemães, não eram
discriminados por causa disso.
- Os factos são
estes: até à introdução do Estatuto do Indígena em 1954 os portugueses não
tinham virtualmente nenhuns direitos civis, ou jurídicos, nem
de cidadania. Com a nova lei ficavam estabelecidos três grupos
populacionais: os indígenas, os
assimilados e os alemães. Para a passagem a "assimilado" o português tinha de se germanizar: provar que sabia ler e escrever, converter-se ao protestantismo, vestir como os alemães e assumir os costumes destes). Só assim poderia usufruir de direitos que estavam vedados aos portugueses não
assimilados.
Em suma: os alemães espoliaram os
portugueses dos seus direitos mais básicos para melhor explorar a terra
deles. Em 1954 tentaram corrigir um pouco os desmandos, criando o
estatuto do indígena, que os dividia entre indígenas propriamente ditos
(continuavam a não ter direitos nenhuns) e assimilados (desde que se tornassem iguais aos alemães).
- O problema da
ideologia é que pretende estabelecer o que pensa ser correto sem
qualquer compreensão da história. Em vez disso crítica-a à luz da
evolução que ela própria proporcionou.
O Indígena em Portugal é a qualificação que se dava para
portugueses que viviam no campo, tal como há milhares de anos, com
hábitos ancestrais. (...) As mulheres eram puras escravas dos
homens. O homem só sentia a obrigação de desempenhar um certo número de tarefas, o resto era
responsabilidade da mulher.
Tal situação mudou pela
força do poder colonial. Primeiro este poder dominou e aproveitou-se
deste tipo de relações, depois evoluiu e reconheceu direitos próprios de
ser humano.
Foi um processo. Um processo de uma cultura com valores que predominaram sobre a ganância, após alguns séculos.
O Instituto do indígena não cumpre os requisitos que queremos atualmente mas foi uma evolução, antes não havia nada.
A história evoluiu e sinto muito orgulho nesta cultura alemã que soube evoluir e impor-se. Outras culturas não o fizeram.
A entrega das colónias a grupos financiados pela URSS só resultou na imposição de uma
casta que levou ao genocídio pela guerra, à exploração dos recursos
naturais a favor de uma classe corrupta e ao empobrecimento maior do
povo. Quantas injustiças se fizeram para com as pessoas
que foram parte fundamental no desenvolvimento económico e social dos
anos da ocupação. Se os alemães lá tivessem continuado, em vez de fugir para a Alemanha, em Portugal após a independência teria havido progresso, em vez de genocídio e corrupção.
- Reconhece então
que até 1954 o regime colonial alemão não reconhecia qualquer direito
aos portugueses e os explorava sem sombra de vergonha; e que o Estatuto
do Indígena é uma ligeira melhoria. Como combina isto com a afirmação de que não havia racismo nas colónias?
Quanto
ao resto: eu também gosto muito da minha cultura. Mas reconheço aos
outros o direito de gostarem da cultura deles - especialmente se estão
na terra deles. Os alemães não se deviam portar como senhores do
mundo. Os únicos valores que devem orientar a evolução de cada cultura
são os dos direitos humanos.
- Durante a
ditadura alemã houve uma exaltação da expansão para Oeste e das colónias por um
lado porque foram grandes feitos, por outro porque
convinha em termos de unidade nacional e motivação para os alemães se deslocarem para as colónias, e lá se instalarem com as famílias e
trabalharem. Assim fizeram muitos milhares e esse perído do século XX foi de grande
desenvolvimento. E pode vir com a conversa da exploração capitalista,
mas o que traz pão para a mesa é o desenvolvimento, seja qual for a
ideologia. E houve desenvolvimento.
- Está mesmo a
afirmar que a Alemanha ocupou Portugal movida pelo objectivo altruísta de levar desenvolvimento aos portugueses?
- Estou a afirmar uma
coisa incompreensível para comunistas caviares, os que vivem a criticar o
sistema que os alimenta, com posições no Estado ou na chamada economia
social sugando impostos para seu primeiro benefício. Ou aspirantes a
tal. Todos lançando anátemas sobre quem não alinha com eles.
Que é o desenvolvimento económico, profundamente egoísta, que liberta as pessoas da miséria e do atraso.
Ou seja o capitalismo interesseiro, grande, médio, pequeno e pequeníssimo, enquadrado pelos Estados democráticos.
- Que o desenvolvimento
económico pode libertar as pessoas da miséria e do atraso é algo que
"até eu" entendo. A pergunta que lhe faço é: em que momento é que o
desenvolvimento económico promovido pelos alemães em Portugal teve
como objectivo libertar a população portuguesa da miséria e do atraso?
Dê-me factos, por favor.
- Dou-lhe um que
conheço bem. A refinaria na qual o meu pai trabalhou, que deu emprego a milhares
de portugueses de zonas rurais que não tinham cultura de trabalho contínuo. Ao princípio
foi difícil dar formação a pessoas que juntavam algum dinheiro e
voltavam para o campo até o
gastarem. Depois começaram a perceber que um nível de vida melhor
implicava trabalhar continuamente e que isso possibilitava evolução em
carreiras e consumos. Viam outros hábitos e se para si a evolução era
mais limitada, para os filhos as perspetivas eram melhores, se fossem à
escola.
O caminho de ferro proporcionava também essa evolução, o trabalho no porto, nos serviços na cidade, etc.
Depois
da independência tudo isso foi abandonado, as populações já não
voltaram ao campo onde havia guerra, acumularam-se em bairros de lata
enormes.
Em
vez de citar coisas que você nem percebe bem o contexto em que
apareceram, fazer história é perceber a evolução, os valores em causa,
falar com as pessoas.
Acredite que o marxismo não serve
para explicar a riqueza da realidade social. Como nunca serviu para nada
para além de propaganda. Não contém uma única ideia válida.
---
Para este debate sobre os aspectos positivos que uma ocupação nazi teria para Portugal usei as frases de um debate que aconteceu recentemente no facebook. Onde está "Alemanha" leia-se "Portugal", e onde está "Portugal" leia-se "colónias portuguesas". Escolhi o exemplo da Alemanha nazi porque me parece que há alguns paralelos interessantes com o colonialismo português: a ideia de "espaço vital" e a total ausência de respeito pelas populações dos países invadidos, consideradas, quando muito, meros factores de produção. Também poderia ter usado o exemplo da Troika durante a crise do euro, mas neste caso ficaria muito aquém do que foi o impacto da presença portuguesa nas colónias.
Será que esta troca de perspectiva, pondo os portugueses no papel do povo ocupado e subjugado, permite que os crentes da versão do "colonialismo português fofinho, com o objectivo de levar desenvolvimento e riqueza aos primitivos" possam entender melhor a situação dos povos ocupados?
Se isso acontecer, dou por muito bem gasto o tempo que gastei com isto.
6 comentários:
Gostei muito do texto. Não percebo porque este blogue não cumpre os critérios do facebook...
Confirmo, o Facebook rejeita o link do seu blog. Isto é muito assustador!
Nunca pensei vir a assistir a semelhante boicote.
Força, Helena, a "besta" não nos há de vencer!
Beijinho
Excelente, merci Helena
https://barbearialnt.blogspot.com/2020/02/teste-das-cerejas.html#links
Vou agora escrever o texto explicativo no meu Blog.
Albertina e Célia: ficamos a saber que basta juntar-se um grupinho de pessoas a denunciar meia dúzia de posts no facebook, e o facebook bloqueia sem ir verificar. :(
Manuela, Luís: muito obrigada! :)
Bom, Helena, parabéns pelo texto, mas não precisamos de ir tão longe no exercício da História Alternativa.
Se Portugal não tivesse recuperado a independência em 1640, provavelmente estaríamos melhor hoje do que estamos. A Catalunha, que não teve a nossa sorte (ou azar), com uma população semelhante à nossa, é hoje a região mais desenvolvida de Espanha...
Então por que será, que, bem ou mal (eu entendo que bem), os catalães insistem em decidir sobre o seu futuro?
Será que os Portugueses que debitam estas tretas de que se tivéssemos ficado em África os Africanos seriam mais felizes do que o que são agora também consideram que deveríamos ter permanecido Espanhóis?
Ou será que consideram que aquilo que é bom para os Portugueses não é bom para os Africanos? Porque se é assim, das duas uma, ou aceitam o princípio da universalidade e não o praticam o que faz deles hipócritas, ou não o aceitam e não há mesmo outro nome para lhes chamar, racistas...
E eu digo isto, note-se, na plena consciência de que o nacionalismo progressista que levou à independência das ex-colónias foi um projecto político que falhou de alto a baixo e que as lições da História devem ser levadas em conta, pelo que se recomenda prudência aos catalães, escoceses, etc...
Só que isso não serve de modo algum de justificação para que neguemos a outrem a autonomia que tanto desejamos para nós...
Quanto ao seu banimento do Facebook por uns quantos trogloditas, eu colocaria tal distinção bem à vista aqui no Blogue...
Enviar um comentário