16 dezembro 2019
Joseph Wulf
A pequena exposição que está neste momento a decorrer na casa da Conferência de Wannsee (que mencionei aqui) é sobre Joseph Wulf, um judeu nascido em Chemnitz no seio de uma família de abastados comerciantes polacos. Aos cinco anos foram viver para Cracóvia, onde Wulf cresceu e começou a estudar para rabino, embora preferisse ser escritor. Herdeiro de várias culturas, em casa falava alemão, polaco e iídiche com a mulher, e polaco com o filho. A invasão da Polónia mudou a sua vida abruptamente: começou a lutar na resistência. Capturado, conseguiu sobreviver a dois anos em Auschwitz. Fugiu durante uma marcha da morte. A mulher e o filho também conseguiram sobreviver ao Holocausto, escondidos na quinta de um lavrador. Mas perdeu a restante família: pai, mãe, irmão, cunhada e sobrinha.
Depois da guerra, fez parte do grupo que fundou a Comissão Central de Histórica Judaica na Polónia. O grupo coligiu documentos dos nazis e depoimentos de milhares de testemunhas, e recuperou o célebre arquivo Ringelblum do gueto de Varsóvia, para deixar aos vindouros memória do que foi o Holocausto. Com a ascensão do comunismo polaco muitos dos membros desse grupo viram-se forçados a abandonar a Polónia. Joseph Wulf acabou por se fixar em Berlim, onde iniciou um trabalho pioneiro de pesquisa sobre o Holocausto na Alemanha Federal. Apesar de ter publicado inúmeros livros muito importantes sobre a Alemanha nazi e o Holocausto, nenhuma Academia lhe ofereceu um lugar estável de investigação. Pior ainda: acusavam-no de não ter a devida imparcialidade, por ter sido vítima directa do fenómeno que estudava. Ele respondia: "não sou imparcial, mas sou objectivo!" Um dos seus maiores opositores era Martin Broszat, director do Instituto de História Contemporânea de Munique - que aderira ao partido nazi em 1944.
Em 1965 Joseph Wulf propôs que a casa onde decorrera a conferência de Wannsee se tornasse um lugar de memória do Holocausto e um centro de documentação. A ideia foi recusada pelos governos tanto alemão como berlinense. Heinrich Albertz, um dos ministros do governo de Berlim, argumentou: "The Senate’s view is that the past will not be overcome by setting aside a house, worth more than a million Marks, which is now a domicile for schoolchildren. One would have to set aside many houses to isolate every building that was a venue for horrors. One should be more concerned with the people responsible for the horrors committed in these houses." E um outro político berlinense foi ainda mais incisivo: "não queremos locais de culto do macabro". O memorial e o centro de documentação só viriam a ser inaugurados bem mais tarde, em 1992, no cinquentenário da conferência.
Por essa altura já Joseph Wulf tinha partido há muito. A perseguição aos judeus e os anos que passara em Auschwitz tinham-no traumatizado profundamente. E não estava sozinho: só nos anos setenta é que a Alemanha começou a despertar para a necessidade de dar apoio psicológico especial às vítimas dos campos de concentração e extermínio. A morte da sua mulher, em 1972, constituiu um duro golpe do qual não se conseguiu restabelecer. Em 1974 suicidou-se, atirando-se da janela do seu apartamento junto ao Ku'damm, em Berlim.
Uns meses antes escrevera ao seu filho uma carta em jeito de testamento. Aqui a deixo, tal como a fotografei na exposição, em inglês: o grito de um desesperado consciente da loucura do mundo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário