23 novembro 2019

mudar de pele

Encontrei este post perdido nos rascunhos do blogue (ai de mim, são mais de cem!)
Aqui trago à luz do dia estes apontamentos de um diário que escrevi há um ano:

*

Comecei a fazer experiências de mudar a língua no facebook, e é como se mudasse de pele.
Primeiro francês. Depois espanhol. E depois, que versão escolho?
A verdade é que já não me lembro em que língua andei todos estes anos. Ou se mudei alguma vez.


*


Esta manhã mudei a língua do facebook para alemão, para ajudar uma pessoa que queria resolver um problema. Depois ia mudar de novo para português, mas pensei que é sempre bom confundir o cérebro e trocar-lhe os hábitos, por causa do Alzheimer, e optei por francês.
A seguir esqueci-me, e deu-me uma espécie de curto-circuito - às tantas comecei a achar que o Jordan Peterson é canadiano, apesar de escrever em inglês. Ai, espera...
Entretanto estou a reparar nas coisas em que dantes nunca reparava ("254 éléments à examiner" - o quêêêêê?!).
E tudo isto me provoca imenso desconforto.
Alzheimer, a quanto obrigas!


*


Estou aqui a pensar se mudo a língua do meu facebook para espanhol, ou se continuo no francês.
Além de me tratar com respeito, em vez daquele "tu" sem me conhecer de lado nenhum (ai, espera, dizem que o facebook nos conhece melhor que os nossos próprios pais!) (adiante), este "exprimez-vous, Helena" na caixa que se oferece para o meu post dá-me a sensação de estar num mundo elegante, delicado e participativo.
E também tem aquele "contact indésirable", em vez de "spam", e tantas outras surpresas da tradução que me revelam a cultura francesa.
Está decidido: fico no francês mais uma semanita. E depois espanhol, e depois alemão, e depois inglês, e depois italiano, e depois catalão.
E depois chinês: como quem joga memory, e tem de se lembrar onde é que estão as cartas certas.
(Por essa altura, o meu Alzheimer já vai andar com sessões semanais no psicanalista, "senhor doutor, eu acho que ela tem alguma coisa contra mim!")



*



Mudei o meu facebook para espanhol.
E confesso que a mesma realidade (em 2019 vou realizar um grande sonho) já não me parece tão elegante como em francês.
Uma dia destes podia lançar-me a um trabalho sobre língua, preconceitos, hábitos e sensações. Se calhar até arranjava de meter um capítulo sobre o modo como o corpo reage de forma diferente conforme ouça na língua materna ou noutra qualquer (sim, por causa disso a Christina ia ficando por nascer: é que a parteira dizia "Ziehen Sie!" e o meu corpo não sabia o que é isso. Bem queria obedecer, mas não sabia como. Tivesse ela dito "faça força!", e a Christina nascia 3 horas mais cedo...)
Mas o que eu queria mesmo dizer é que sou uma desgraçadinha: em 2019 vou realizar um grande sonho, e não tenho nenhum!

*

O facebook em espanhol: "hoy tienes recuerdos con 7 personas más para rememorar".
Ai os falsos cognatos!

*

"Publicarlo en tu biografía", diz o espanhol. Pensará o facebook que o que aqui publico é uma biografia? Quando muito, um mapa mental de atalhos, becos sem saída e passagens para realidades paralelas.

1 comentário:

Catarina disse...

A versatilidade linguística não é para todos! : )