17 outubro 2019

até ao pescoço (2)


Estes que morrem no mar pagaram fortunas à máfia que os mete num barco a caminho da Europa. Alguns dos que conseguirem chegar à Europa continuarão a dar muito a ganhar à redes criminais organizadas: se não receberem o estatuto de refugiado, a máfia ajuda-os a ficar ilegalmente na Europa, empregando-os - por exemplo - em explorações agrícolas, desempenhando tarefas que são necessárias mas poucos europeus querem fazer. Muitos deles pagam metade do seu salário à organização que os esconde.

Como se as condições de vida e de trabalho destas pessoas não fossem suficientemente horríveis, há casos de mulheres obrigadas a ter relações sexuais com o detentor de algum cargo de poder - por pequeno que seja - para garantir o alojamento e o posto de trabalho. Elas sujeitam-se: há dívidas para pagar, há uma família lá longe que precisa desesperadamente do dinheiro que lhe conseguem mandar regularmente.

E porque é que eles querem vir para a Europa, sabendo o destino cruel que provavelmente será o seu? De que fogem eles?
Fogem dos horrores que resultaram da desestabilização do Iraque devido àquela guerra de invasão que foi iniciada com a cumplicidade de Portugal. Fogem de regiões em processo de desertificação resultante do desequilíbrio da Natureza provocado pelos standards de consumo e poluição dos países ricos. Fogem de países africanos a sofrer ainda as terríveis convulsões resultantes da sua herança colonialista.

Estamos metidos nisto até ao pescoço. Mas não vemos, porque somos peritos na arte de não ver.

Algum dia, contudo, teremos de abrir os olhos, teremos de ver e decidir. Talvez quando o fluxo de pessoas que procuram na Europa um porto de abrigo se tornar incontrolável, talvez quando o poder das máfias que vivem deste negócio (de momento, são cerca de seis mil milhões de euros por ano) se virar com toda a força contra nós.

Como evitar dar ainda mais dinheiro e poder às máfias, um poder que haveremos de pagar muito caro? Elementar: secar-lhes a fonte do rendimento, tornar o seu trabalho supérfluo. Mudar as regras do jogo de modo a que as pessoas possam viver em paz e prosperidade no seu próprio país, e garantir um transporte seguro àqueles que precisam realmente de se refugiar na Europa.

Talvez tenha chegado o momento de experimentar um pouco de decência.
Porque as experiências de indecência que temos feito - o pacto com o Erdogan ou com países do Norte de África para manter os refugiados longe da Europa - além de representarem uma traição dos valores que dizemos serem os europeus,
também nos custam muito dinheiro. Com resultados que ficam muito aquém da despesa e da vergonha em que incorremos.

2 comentários:

Catarina disse...

Um problema que não se vai resolver num futuro próximo.

Há quem afirme que os migrantes são muito mais lucrativos que os estupefacientes.

Helena Araújo disse...

Sim, também li uma notícia sobre isso num jornal. Ganham em tudo: na travessia, cada vez mais cara, na exploração da mão-de-obra, e até nos desvios de dinheiro que os Estados entregam aos centros de refugiados.