Ontem à noite, no metro de regresso a casa, vi um homem que ia de pessoa em pessoa dizendo uma lengalenga para pedir dinheiro. Uns responderam-lhe em inglês (eram alemães), outros fizeram de conta que não estavam ali, e às tantas chegou a minha vez. Sentou-se à minha frente, chegou-se tão perto que lhe sentia o bafo do álcool e o vazio dos olhos, e começou:
- Hoje faço 51 anos. É o meu aniversário, 51 anos. Percebes? Hoje faço 51 anos.
(e eu para os meus botões: dou-lhe os parabéns, ou faço de conta?)
(e a voz decepcionada dos meus filhos a ecoar dentro de mim: ó mãe!...)
Ele continuou:
- Então, como faço anos, será que tens cinquenta cêntimos para me dar?
(e os meus botões para mim: claro que tens, que é que te custa dar cinquenta cêntimos ao homem? mesmo que o vá gastar em cerveja, tu sabes bem como é quando queres comer chocolate e não há nenhum em casa, se tens direito às tuas dependências ele também tem direito às dele)
(e a imagem da minha filha que nunca tem dinheiro, mas anda sempre com moedas no bolso para dar a quem pede)
- São só cinquenta cêntimos, hoje faço 51 anos...
(quantas vezes terá dito ele isto hoje? quantas vezes terá falado para pessoas que fazem de conta que não estão ali? como será repetir uma lengalenga uma e outra e outra vez perante pessoas que te ignoram ostensivamente?)
(havia um punk no Ku'damm, a pedir junto a um semáforo, que sorria sempre - recebia dezenas de negas por minuto, e sorria sempre a todos, sempre muito simpático - isto já é muito mais que instinto de preservação, isto já exige um esforço sobre-humano, como é que ele aguenta?)
Levantei-me, porque precisava de distância daqueles olhos vazios, daquele bafo, daquela insistência. Estava a chegar à minha estação Comecei a procurar o porta-moedas. Ele reparou na intenção, e atirou com entusiasmo:
- Também pode ser um euro!
A primeira moeda que me veio aos dedos era um euro. Dei-lha. Levantou-se feliz, chegou mais perto, e perguntou:
- Posso dar-te um beijo?
- Oh, nãããããoooooooo!, ri-me eu, e saltei para a plataforma.
A caminho de casa ocorreu-me que bem lhe podia ter dado os parabéns com a moeda - mas já era tarde, claro. Pode ser que o encontre de novo um dia destes - e se ainda for o seu dia de aniversário, corrigirei a minha falha.
(é bem verdade que os filhos dão muito trabalho - pelo menos os meus: com aquelas suas manias de tratar todas as pessoas como se fossem seres humanos, com os raixparta dos exemplos que me dão, desinstalam-me e obrigam-me a rever os meus automatismos)
2 comentários:
aaahhh obrigada, e eu que julgava que eram só os meus filhos e que era só eu que. mas eu sou pior porque nessa hesitação entre o meu instinto e os valores deles fico parada e não dou os 50 cênt, muito menos os parabéns :(
Pois, pelos vistos os filhos são todos iguais! :)
Nos dias bons, ocorre-me que eles não vão poder encher-se de caviar com o que lhes dou. :)
Muitas vezes penso que não queria trocar a minha vida pela daquela pessoa, e dou a moedinha. É o mínimo.
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