Na
casa do Minho da minha infância a cozinha era o centro de tudo, e
metade dela era a chaminé, com o chão feito de enormes lajes de pedra.
Sob a chaminé havia: à esquerda o forno do pão, ao lado deste a lareira
que se reacendia de manhã bufando às brasas que tinham sobrado da
véspera, e o eterno pote com água quente; à direita ficava a dala de granito. Ao lado da dala,
e já fora da chaminé, era o lugar do balde da lavadura, por baixo da
cantareira onde havia sempre água do poço guardada em cântaros de barro.
Havia duas gamelas na dala,
e serviam para lavar a louça. Tinham um toque aveludado e húmido de
tanta água engordurada que por elas tinha passado, e eu achava-as
nojentas.
Depois das refeições, a Bina (que em rapariguinha fora trabalhar
para casa da minha avó, e lá ficou até morrer, acumulando discretamente
as condições de serva da casa e de membro oficioso da família) e a SeMaria
(que era jornaleira, e trabalhava enquanto havia trabalho, às vezes
perguntava-me quem lhe criaria a ela as filhas) enchiam as gamelas com
água quente do pote, usando o caneco de lata da cantareira. Uma lavava e
ia passando as peças directamente para
as mãos da outra, que as enxugava num pano de linho e pousava na mesa
ou na masseira, num vaivém tranquilo de tamancos no sobrado.
No Natal, e noutras festas grandes, iam buscar os pratos da Vista
Alegre e os copos de cristal do baptizado do meu pai para pôr a mesa.
Enquanto decorria a nossa consoada, a dala
de granito enchia-se de pilhas de louça valiosa e frágil, e eu
enchia-me de medo de que alguma coisa se partisse. Elas, não. Um a um,
os cálices – o da água, o do vinho, o do champanhe, o do vinho do Porto e
o minúsculo, que era da aguardente, mais os pratos de risquinhas azuis e
douradas, mais a “terrina de trezentos anos” – passavam pela água das
gamelas escuras e pelo pano branco, e voltavam para a cristaleira.
Depois a SeMaria punha as gamelas a escorrer, embrulhava-se numa manta de lã, e saía para a noite e para o Natal das suas próprias filhas.
Não contem a ninguém, mas eu nasci no fim da Idade Média.
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