Quando os miúdos eram pequeninos, era tradição nossa ir passear com eles antes da Consoada - na floresta, ou ao longo de um riacho sinuoso que passava junto à nossa casa. Antes do alvoroço dos festejos, queríamos respirar longamente o sossego da natureza adormecida pelo inverno e saborear a tranquilidade do momento.
Foi nisso que pensei ao ler este texto do Tolentino sobre o Natal. E sonho já com a tarde de amanhã: antes da Consoada passearemos com os cães ao longo do Reno. Saboreando a tranquilidade - e também a alegria de encontros feitos de bem querer.
A todos os que aqui passam, desejo alguns momentos de tranquilidade e recolhimento neste tempo de Natal.
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O texto do Tolentino no Expresso:
Uma das mais belas correspondências de Natal que conheço é a que o poeta Rainer Maria Rilke manteve com a mãe, ao longo de vinte e cinco anos. Claramente as cartas de ambos deveriam ser escritas e recebidas antes da festa. A mãe, Sophia Rilke, residia estavelmente em Praga, mas Rainer Maria era uma espécie de apátrida espiritual, girovagando por refúgios de empréstimo. A distância geográfica ou as dificuldades de comunicação não os impediram, porém, de manter, por longo tempo, um ritual preciso, cheio de ressonâncias: às dezoito horas em ponto de cada dia 24 de Dezembro, quando as mil luzes natalícias brilham mais ainda como que intensificadas pela chegada do último crepúsculo antes da grande festividade, eles finalmente abriam, com viva e lentíssima emoção, a respetiva carta natalícia. O traço porventura mais surpreendente desta correspondência é que ela constitui um ensaio sobre aquela solidão que experimentamos no Natal, e que exploramos tão pouco. Há uma desaceleração interior que sentimos e que, por desconfortável que possa ser, constitui uma oportunidade para entrarmos dentro do nosso próprio coração. E o coração, mesmo no seu quebrantado pulsar, mesmo no seu doloroso esvaziamento, é, como escreve Rainer Maria Rilke, “uma ilha de Deus, uma filial do céu”. A solidão própria do Natal vem, por isso, descrita como uma irrevogável chamada ao recolhimento. É bom sentir que tudo em nosso redor, e que nós próprios, de repente, nos aquietamos. E que as horas se tornam entreabertas e misteriosas num modo que nos é inabitual, para não dizer desconhecido, porque “o infinito nos quer assim surpreender”. É bom sentir que o vazio que se sobrepõe a todos os embrulhos que trocamos, que o silêncio interno que fala mais alto que o vozear querido que nos circunda, tem, sem compreendermos como, a forma de um dom. Esse vazio, que resiste à avalanche de consolações que recebemos, é, de facto, o verdadeiro dom: a possibilidade não de desejar isto ou aquilo, mas de provar a explosão de um desejo em estado puro, em grau tal que só o podemos abandonar nas mãos de Deus. O resto, sim, são as nossas circunstâncias externas, provisórias e passageiras. O poeta insiste, e bem, em falar-nos das vantagens desse máximo recolhimento perante “o antigo, o santo esplendor da soleníssima vigília”. E escreve: “devemos permanecer silenciosos e solitários e pacientes para acolher em nós a graça de uma hora que a muitos não chega a revelar-se, porque neles há demasiado rumor... Tudo depende, afinal, de aprender a ligar-se àquilo que é grande, àquilo que vivemos apenas no coração e que nada pode turbar. Se nestes momentos de grande recolhimento e elevação compreendemos que a vida está naquilo que, palpitante e solene, se move em nós e nos deslumbra com lágrimas que brotam do profundo mais luminoso, então a modesta confusão que nos circunda ainda, o ordinário e o turbulento que corre não poderão já fazer-nos desanimar”. Talvez precisemos de aprender a abraçar a solidão de que facilmente fugimos, pois nela, e de uma maneira carregada de prodígio, acontece o Natal.
3 comentários:
cães? O Fox tem companheira?
Mais ou menos. É a cadela da nossa amiga, que dá 10 dele. Não se entendem muito bem, porque o Fox quer mandar mesmo quando está na casa dela... :)
Este texto é belíssimo e sem ti nunca o leria.
Muito obrigado, Helena.
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