22 dezembro 2018
a seriedade do Spiegel
Por estes dias tenho pena de todas as pessoas que não entendem alemão. É que o modo como a revista Spiegel está a reagir ao caso do jornalista que forjava as suas histórias é fascinante: em nome da transparência, e tentando recuperar a confiança das pessoas, estão a contar tudo e a penitenciar-se largamente em público. Ontem li no próprio Spiegel online a queixa do jornalista que descobriu o que se estava a passar, dizendo que foi extremamente difícil conseguir que lhe dessem ouvidos dentro da empresa, e que o pressionaram imenso para desistir de fazer acusações ao colega (este era de tal modo apreciado por todos, e tão perfeito manipulador, que a direcção do Spiegel acreditou que a acusação seria fruto da inveja). Hoje li no mesmo site cartas dos leitores - desde "nunca mais, Spiegel!" até "vou continuar a acreditar na vossa revista", passando por "cambada de arrogantes! em vez de acusarem o vosso jornalista deviam olhar-se ao espelho e pensar melhor na pressão que impõem aos jornalistas para eles apresentarem histórias cada vez melhores".
Este esforço de autenticidade e transparência vai para além de todos os limites. Por exemplo, um dos chefes da Redacção contava na newsletter de ontem que está (estão) a viver um momento terrível, e que dá consigo a pensar "tivesses ido antes para piloto da Marinha, como era teu desejo de criança!" - um apontamento tão pessoal como nunca pensei ler a um alemão com o estatuto deste.
O Spiegel orgulha-se de ter uma equipa de "fact checker" cujo lema é: "não acredites em nada". Serão talvez esses os mais chocados com o que aconteceu. Mas a verdade é que o repórter mentiroso chegou ao ponto de falsificar e-mails para rebater as acusações do colega que desconfiava da seriedade do seu trabalho. E quem se lembraria de alargar o lema "não acredites em nada" até ao carácter dos colegas, de todos os colegas, mesmo dos mais premiados internacionalmente?
É um escândalo e um choque terrível, mas estamos na Alemanha: a empresa já tem vários grupos a trabalhar na identificação dos pontos fracos do sistema, e na identificação das falsidades nas reportagens publicadas. Estou convencida que vai sair desta crise em breve, e com o seu capital de confiança reforçado.
(Por mim, continuo cliente. Agora mais que nunca: casa arrombada, trancas à porta. Os cuidados, que já eram muitos, vão redobrar. E a acusação sobre a pressão exercida sobre os jornalistas vai com certeza dar que pensar e levará a algumas mudanças para melhor.)
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