Fonte: US Library of Congress, George Grantham Bain Collection
"Syria - Aleppo - Armenian woman kneeling beside dead child in field "within sight of help and safety at Aleppo"
Ontem escrevi um longo comentário em resposta a um troll que perguntava quantos refugiados a Europa pode receber sem entrar em colapso. Suspeito que ele tenha apagado o seu comentário (e o meu) por não ter gostado da resposta.
Nota mental: nunca responder aos comentários dos trolls no próprio comentário do facebook. Responder sempre abrindo um novo comentário. Assim, se o troll resolver apagar o seu discurso de ódio, os meus comentários não serão automaticamente apagados.
Aqui está o que respondi (desculpem-me as pessoas que acompanham este blogue há mais tempo, e já conhecem estes factos):
No princípio do séc. XX a cidade de Alepo era quase exclusivamente muçulmana. Quando começou o genocídio dos arménios, em 1915, milhares de pessoas foram enviadas em autênticas marchas da morte na direcção de Alepo. A cidade acolheu os sobreviventes, que chegavam andrajosos ou nus, doentes, traumatizados, e sem absolutamente nada de seu. Em poucos meses, mais de 10% da sua população passou a ser constituída por cristãos arménios. Em 1921, quando a França entregou a Cilícia (importante região dos arménios) à Turquia, Alepo acolheu nova vaga de cristãos. Estes chegaram a ser 25% da população daquela cidade tradicionalmente muçulmana.
O século XX foi um período muito duro para a economia de Alepo. A cidade, que já começara a perder poder económico após a construção do canal do Suez (que deslocou a Rota da Seda para o mar), no fim da I GM perdeu parte importante do seu território a norte, que foi entregue à Turquia, bem como a linha ferroviária de ligação a Mossul. Nos anos 40 perdeu também o porto de mar.
Apesar de lhe terem sido retirados uma área importante, a ligação ferroviária e o porto de mar, provocando uma situação de profunda crise económica, os refugiados estrangeiros cristãos não foram convertidos em bode expiatório. Quando a guerra civil síria começou, exactamente cem anos depois do início do genocídio dos arménios, a população muçulmana coexistia em boa paz com os seus vizinhos cristãos, que perfaziam cerca de 20% da população da cidade.
Para aqueles que agora vão dizer "ah, mas os cristãos são diferentes, são tolerantes, não incomodam as outras religiões" informo que para a maioria dos cristãos sírios o casamento com um muçulmano é considerado pecado grave. Casar com um ateu não é problema, mas com um muçulmano é um erro indesculpável, que em muitos casos leva ao repúdio por parte da família.
Voltando à questão inicial, sobre o risco de a Europa entrar em colapso por receber tantos refugiados de outras culturas e outras religiões: se uma cidade em situação de gravíssima crise económica foi capaz de acolher 10% de refugiados em poucos meses, e se foi capaz de coexistir com os descendentes destes durante um século, porque é que o continente mais rico do mundo, o continente mais bem apetrechado em termos de apoio aos pobres, não há-de ser capaz de fazer a mesma coisa?
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