28 julho 2018

o interrogatório que fizeram ao Matthias à chegada aos EUA

"Já tinha passado o custom control e estava a chegar à última porta quando dois agentes de segurança repararam em mim e disseram "oh yeaaah lets check this one".
Primeiro tive de abrir a mala e a mochila e mostrar tudo o que lá estava - comentaram cada uma das coisas que viram. O tamanho das minhas camisas, porque é que tinha vinho do Porto, porque é que tinha Haribo, porque é que tinha tabaco e filtros (no pacote dos filtros lia-se "slim filter" e eles: "slim filter, slim guy?! Hahah"). A seguir, quiseram saber o que é que eu tinha comido nas últimas 16 horas.
- Respondi: airplane food.
- What exactly?
 

- Chicken and rice.
- Where did the chicken come from? You know, it can come from dangerous places and be intoxicated.
Eu a pensar: estão a gozar comigo, ou quê? É a porcaria da comida do avião, sei lá eu onde é que foi comprada!
Só perguntas parvas, umas atrás das outras sem parar, lançadas de forma agressiva para eu não ter tempo de pensar.
"How old are you? 26? What did he say? 25?"
Não consigo descrever bem - só sei que se tratava de pessoas que tinham realmente prazer em fazer terror psicológico. Depois perguntaram quais são as minhas origens, e qual dos meus progenitores não era alemão. Ridicularizam o meu nome português e riram-se muito.
Sentes-te exposto e embaraçado, apesar de não teres feito nada, e não podes fazer nada contra eles.
A mulher que escolheram a seguir a mim fez-me ainda mais pena: só a escolheram por a acharem muito atraente.

(...)
Eu sozinho contra dois agentes que se revezavam a fazer perguntas, a um ritmo extremamente rápido e sem me dar tempo para responder. Um sem-número de perguntas, a maior parte delas sem importância, para ver como eu reagia sob pressão. Podia mostrar-te o que havia na minha mala e dizer-te o que perguntaram sobre cada uma daquelas coisas, tão invasivas foram as perguntas que me fizeram."


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O Matthias tem 21 anos, é branco, alemão, mora em Berlim, e viajava com visto e documentação para trabalhar durante dois meses em Harvard.
Se é assim que tratam uma pessoa que pertence ao grupo de privilegiados absolutos do planeta, como será com os mais frágeis?

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Há quase trinta anos, ao regressar de Cuba, o Joachim assistiu a uma cena semelhante com uma jovem estrangeira. Os guardas alemães em Frankfurt tiveram um gozo danado em inspeccionar-lhe a lingerie. O Joachim interpelou-os, disse-lhes abertamente que não podiam abusar assim da sua autoridade, anotou os nomes, e fez uma queixa por escrito. Passadas algumas semanas recebeu uma carta onde o informavam de que tinha sido aberto um processo contra esses dois agentes.

É uma grande vantagem ser cidadão de um país cuja Constituição começa com a frase "A dignidade humana é inviolável". E é sobretudo uma responsabilidade.

3 comentários:

Paulo Topa disse...

É horrível quando alguém com um pouco de poder o utiliza para o mal. Lembro-me sempre do José Mario: "És senhor de dez ou vinte, és criado de um milhão." Neste caso, ainda por cima, estou quase certo que esse tipo de postura é estimulado. É uma das razões de não querer ir aos Estados Unidos.
Que a estadia e o regresso sejam bem melhores

Jaime Santos disse...

"Die Würde des Menschen ist unantastbar. Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung aller staatlichen Gewalt.“ De facto, os Pais da Grundgesetzt (ainda se chama apenas Lei Fundamental :-), não é?) colocaram uma grande responsabilidade não apenas aos ombros dos agentes do Estado, mas igualmente sobre os ombros dos restantes cidadãos, a quem compete atuar como os guardiões de último recurso. É que os Alemães na sua generalidade (aparte uns senhores que parecem pensar que os doze anos de Nacional Socialismo são uma cagadela de pássaro, ou lá o que é) sabem bem o que pode acontecer quando tais obrigações não são acauteladas...

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...

É para mim cada vez mais óbvio que nunca porei os pés nos Estados Unidos da América. Nem que seja esse o único País do Mundo a que nunca vá. Até já os meus Filhos dizem o mesmo, e ainda só vão em nove e doze anos de sabedoria.

E é pena que a maior parte da "gente comum" ocidentalizada seja fortemente induzida a pensar que os E. U. A. são o melhor modelo de Democracia e de Direitos Humanos do Mundo - NUNCA O FORAM, nem duma coisa, nem doutra! - e que Países como a Alemanha (ou até a Espanha) carreguem o estigma de serem geralmente identificados com a barbárie (porque de facto um dia o foram).

Quem deles gostar, dos E. U. A., de Israel e de outros que tais (em tempos, a África do Sul e também Portugal) que os ature. Do Filho do meu Pai, não contem com nada. Bem-hajas, meu rico 25 de Abril...