03 julho 2018

"abraço"

Dizem que os alemães são pessoas frias, mas entre os beijinhos que os portugueses dão (desde logo uma dúvida existencial: um ou dois?) e os abraços apertados e calorosos dos alemães, prefiro mil vezes estes últimos. Um abraço transmite muito melhor a amizade, a proximidade, o "estou contigo".

Quando vim morar para a Alemanha, há quase trinta anos, trouxe na bagagem este costume português de cumprimentar as pessoas com beijinhos na cara, em vez do aperto da mão dos menos próximos e o abraço dos amigos. Se fosse hoje, dir-se-ia que vim para cá descaracterizar esta cultura e complicar a vida aos alemães, e que devia ficar na minha terra e blablablAfD. Mas há trinta anos o pessoal não se armava em vítima dos estrangeiros. Sabiam perfeitamente como se manter fiéis às suas próprias tradições e convicções. De modo que quem se desgraçou fui eu, que avançava para os amigos do Joachim a preparar o beijo, mas eles não paravam a 20 cm de mim - chegavam bem perto, davam-me um abraço e eu, surpreendida e já sem conseguir travar, acabava sempre a largar-lhes o beijo no pescoço.

Água mole em pedra dura... os meus amigos habituaram-se aos beijos, e agora são eles que fazem questão de me cumprimentar assim. A moda do beijinho pegou - de tal maneira que a Angela Merkel já se queixou dos beijinhos que tem de dar a todos os políticos homens. Ela preferia o "passou bem" à distância. Penso que tem razão: porque é que a representante de um país tem de dar beijinhos aos homens, quando estes se dão apertos de mão, ou então abraços (ou beijinhos, abraços e bofetadas, no caso do Jean-Claude Juncker, quando o almoço é bem regado)?


Espero é que ninguém aqui na Alemanha tome conhecimento da minha quota-parte de responsabilidade nesta assimetria escandalosa. Em tempos de nacionalismos e medos de perder a identidade, ainda me arrisco a ser recambiada para o meu país.


(Estou a brincar, claro. Acho que foi o Sarkozy quem começou a pedir beijos à Merkel. Além disso, sendo a única portuguesa na minha pequena família, sou a mais alemã deles todos. Até já comecei a dar abraços e tudo.)





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